segunda-feira, 20 de março de 2017

Os Jesuítas e a ciência


Meu artigo na última Gazeta de Física:

Os jesuítas, que protagonizaram, nos séculos XVI e XVII, o primeiro processo de globalização, sempre se destacaram na educação e na ciência. O padre alemão Cristophorus Clavius foi aluno do Colégio das Artes, anexo à Universidade de Coimbra, antes de se tornar o maior astrónomo da época entre Copérnico e Galileu. Entre outras obras, deixou-nos uma tradução latina profusamente comentasda de “Os Elementos” de Euclides. O padre italiano Matteo Ricci, um discípulo de Clavius que estudou português em Coimbra antes de partir para a China, onde  se notabilizou como grande transmissor da ciência moderna: foi ele que traduziu para mandarim não só “Os Elementos” mas também algumas obras matemáticas de Clavius.  O padre português João Rodrigues escreveu do Oriente aos seus superiores em Roma: “Mandem-nos livros de matemática em grande quantidade.” E o padre português Cristóvão Ferreira, que é uma das figuras historicamente verídicas do mais recente filme de Martin Scorsese “Silêncio”, que descreve a sanguinária perseguição aos cristãos no Japão no século XVII, tinha bons conhecimentos científicos, tendo escrito após a sua apostasia tratados de astronomia e de medicina que descrevem a ciência ocidental.

Começa hoje a haver a percepção nítida da grave perda que adveio para a  educação e a ciência nacionais da expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759 e o fim da vasta rede de colégios na metrópole e no ultramar. Mas, nos esforços de restauração da Ordem  entre nós empreendidos pelo padre Carlos João Rademaker, a fundação dos colégios de Campolide de São Fiel, respectivamente em Lisboa (1858) e em Louriçal do Campo, Castelo Branco (1863), representou um forte reinvestimento na educação e na ciência, como bem lembra neste número da “Gazeta de Física” Francisco Romeiras.  O ensino experimental da física foi aí praticado graças à criação de laboratórios, observatórios (um astronómico em Campolide e outro meteorológico em São Fiel) e academias, para já não falar da realização expedições astronómicas a território espanhol para observação de eclipses solares. O único Prémio Nobel português em ciências, António Egas Moniz, estudou em São Fiel.
O nome de um físico do final do século XIX e início do século XX que merece ser mais conhecido é o do padre António Oliveira Pinto, que organizou o Instituto de Ciências Naturais do Colégio de Campolide e a secção de Ciências da academia desse Colégio. Discípulo de Madame Curie, foi um dos pioneiros em Portugal dos estudos da radioactividade, ao investigar a radioactividade das águas minerais. Uma curiosíssima fotografia do arquivo da Companhia de Jesus publicada no artigo de Contreiras mostra um grupo de estudantes jesuítas  que parecem tocar instrumentos de Física como se fossem instrumentos de música, uma “orquestra de física”, portanto, no Colégio de São Francisco, em Setúbal, no ano lectivo de 1892-1893.  Um dos noviços, o do telescópio, é precisamente Oliveira Pinto.


O interesse dos jesuítas pela astronomia continua nos dias de hoje. O Observatório  do Vaticano, um dos mais antigos do mundo pois foi fundado em 1572 pelo papa Gregório XIII (que instaurou o calendário gregoriano, preparado por Clavius e ainda em vigor), é actualmente dirigido por um jesuíta, o americano Guy Consolmagno. Consolmagno, o autor de “A Mecânica de Deus” (Europa-América, 2009), recebeu em 2014 a medalha Carl Sagan, da Sociedade Astronómica Americana, pelas suas extraordinárias actividades de comunicação  ao público em geral das ciências planetárias. Quer dizer, os jesuítas, tal como noutros tempos, continuam não só a praticar a ciência como a espalhar cultura científica.

2 comentários:

Anónimo disse...

Questione-se a bondade dos jesuítas no avançar da Agenda secularista e gnóstica. E nela, toda a subversão que vemos no mundo.

Anima disse...

Receba por teu comentário a verdade. E veja o amor puro na Cruz.

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