quinta-feira, 26 de abril de 2012

CIÊNCIA PARA TODOS


Entrevista que dei à  revista do Montepio (o número mais recente transmite parte destas declarações):

- Entende que, de alguma forma o ensino em Portugal estimula o interesse dos alunos, sobretudo das crianças mais pequenas, para a ciência? E porquê?

O ensino em Portugal, infelizmente, não estimula suficientemente o interesse dos alunos pela ciência, em especial os mais jovens. Esta é uma das grandes mudanças que é preciso fazer: introduzir mais experimentação no jardim de infância e no primeiro ciclo do ensino básico. É pelas próprias mãos que as crianças, que nascem curiosas, podem e devem ganhar uma primeira ideia da ciência na chamada "idade dos porquês".

Há questões que podemos colocar à Natureza e ela responde-nos. Por exemplo, uma batata e uma maçã mergulhadas em água comportam-se de maneira diferente: uma afunda e outra flutua. Escrevi com colegas alguns livros da série "Ciência Brincar" (a colecção da Bizâncio já tem dez títulos)  e esses livros mostram que se pode aprender ciência usando materiais comuns e procedimentos simples. A ciência a sério começa com a ciência a brincar, pois a maior parte destas experiências infantis podem ser vistas como brincadeiras. A propósito: um dos autores desses livros, o "Descobre o Céu" é o ministro Nuno Crato, o que mostra que ao mais alto nível do governo há interesse na promoção da ciência infantil. Além destes livros mais infantis, há também os livros da Gradiva que têm motivado muitos jovens.

- Como se compara Portugal com os outros países da Europa, com os EUA e com países como a China e India nesta temática? Onde é que este  estímulo é maior?

Não há muitas comparações internacionais sobre o ensino das ciências. Mas há as comparações do PISA, que são testes internacionais da OCDE, em literacia, numeracia e na chamada literacia científica feitas a jovens de 15 anos. Temos em literacia científica, tal como nos outros testes, ficado perto dos últimos lugares,  enquanto países como a Coreia do Sul e a Finlândia ficam no topo. Os últimos testes PISA foram um  pouco melhores, mas estas comparações deveriam desafiar-nos a agir. Claro que não há nenhum defeito  nos cérebros dos jovens portugueses (era só que faltava!), temos é um problema na escola e também obviamente na cultura.

- O que deveria mudar no ensino da ciência em Portugal? O que acha dos actuais programas e métodos?

Para haver mais ciência experimental nas escolas, era preciso não só que houvesse modificações curriculares (programas, carga horária, etc.) mas também que houvesse uma forte aposta na formação dos professores e educadores. Muitos deles não tratam a ciência por tu, porque nunca foram devidamente apresentados a ela. Compreende-se que, se não a conhecem bem, não a podem transmitir bem. Há, em muitos casos, um receio perfeitamente infundado da ciência. A matemática, por exemplo, é indevidamente vista como um papão, quando ela é a linguagem natural da Natureza.

 - Como é que locais de partilha de conhecimento científico, como o Pavilhão do Conhecimento, Centros de Ciência Viva, e ouros congéneres europeus, como a Cittá della Scienza, Exploradôme, ou o Experimentarium contribuem para uma melhor educação científica das  crianças e jovens? Acha que realmente cumprem o seu objectivo?

São locais muito necessários e úteis, mas que não podem substituir a escola, que é imprescindível. O ensino informal  é relevante, mas não pode substituir o ensino formal. A criação da rede de Centros Ciência Viva é uma das coisas boas que aconteceu em Portugal e tem cumprido o seu objectivo de aproximar o público jovem da ciência. Na Universidade de Coimbra, dirijo um dos Centros dessa rede, o Centro Rómulo de Carvalho, que é um moderno centro de recursos para  ajudar todos os que se interessam pela ciência. Oxalá possam esses Centros assim como o programa Ciência Viva em geral, que inclui por exemplo actividades de verão ao ar livre, continuar a motivar as crianças e jovens, mostrando que a ciência não é nenhum bicho de sete cabeças. Mas  a escola tem de desempenhar o seu papel, transmitindo os ensinamentos e as atitudes da ciência de uma maneira mais sistemática e estruturada.

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