terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Suponhamos que se trata de "vacalixis"

Na continuação do relato de Richard Feynman que aqui reproduzi sobre uma das suas interessantes experiências de escolha de manuais escolares, deixo um dos exemplos que ele retirou de um deles e que ilustra na perfeição a tentativa de levar os alunos a adquirir e compreender conceitos a partir da sua experiência cognitiva... Isso está certo, mas o modo como se faz nem sempre é o mais conseguido!

“... Havia um livro que começava com quatro figuras: primeiro um brinquedo de corda; a seguir um automóvel; depois um rapaz a andar de bicicleta; e depois outra coisa qualquer: E por baixo de cada figura lia-se: «O que o faz mover?». Era o tipo de coisas de que o meu pai me teria falado: «O que o faz mover? Tudo se move por o Sol brilhar.» E depois divertíamo-nos a discutir o assunto:
«Não, o brinquedo move-se porque a mola está enrolada», dizia eu.
«Como é que a mola se enrolou?» perguntava ele.
«Eu enrolei-a.»
«E como é que consegues mover-te?»
«A partir do que como.»
«E a comida só cresce porque o Sol brilha. Por isso é por o Sol brilhar que todas as coisas se movem.»
Isso transmitiria o conceito de que o movimento é simplesmente a transformação da energia do Sol. Voltei a página. A resposta era, para o brinquedo de corda: «É a energia que o faz mover.» Para tudo «É a energia que o faz mover.» Ora isto não quer dizer nada: Suponhamos que se trata de vacalixis. Este é o princípio geral. «É a vacalixis que o faz mover». Não se aprende nada; é apenas uma palavra.

O que deviam ter feito era examinar o brinquedo de corda, ver que tem molas, procurar saber coisas sobre as molas, assim com a respeito das rodas, e não fazer caso da energia. Mais tarde, quando... soubessem alguma coisa sobre o verdadeiro modo de funcionamento do brinquedo, poderiam discutir os princípios, mais gerais, da energia. Além disso, nem sequer é verdade que «a energia é que o faz mover», porque, se pára, podemos igualmente dizer que «a energia é que o faz parar».

Referência: Feynman, R. (1988). Está a brincar, Sr. Feynman!" Retrato de um físico enquanto homem. Lisboa: Gradiva, p. 281.

2 comentários:

Miguel Galrinho disse...

Trata-se um livro fascinante de uma personalidade fascinante. Há quem diga que Feynman é um dos maiores génios da física do século XX. Do que li dele e sobre ele, penso que se pode tirar "da física" desta frase.

Miguel Galrinho disse...

Também é interessante verificar que a teoria de que o concreto é que interessa, e não o pensamento abstracto, é logo abandonada assim que o concreto de facto interessa.

Ou seja, existe uma obsessão em tornar os problemas de ciências o mais concretos possível, contextualizando-os com situações do quotidiano familiares aos alunos, e que prejudicam o avanço do pensamento abstracto. No entanto, quando seria interessante analisar o que se passa em concreto com determinada situação (como o exemplo que Feynman dá), perceber isso já é irrelevante, preferindo-se uma resposta abstracta que encaixa em todas as situações possíveis.

Isto prova mais uma vez que esta obsessão pelo concreto é apenas uma máscara que está apenas interessada em evitar a utilização do pensamento. Ou seja, o que importa na verdade não é se se dá atenção ao concreto ou ao abstrato. O que importa é pensar o menos possível, só que não pensar significa não perceber.

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