quarta-feira, 11 de abril de 2018

"Os novos gurus da educação não são professores"

Reproduzo, de seguida, extractos de uma entrevista recente a Alberto Rojo, de quem já falámos no De Rerum Natura, aqui). A entrevista intitulada Los nuevos gurús educativos no son profesores foi realizada por Ana del Barrio e publicada há dois dias no jornal online El Mundo (aqui).
O domínio e o amor pelo conhecimento. Também o compromisso de estar firmemente convencido de que aquilo que faz é valioso. E o entusiasmo, porque não basta dar a matéria, tem de contagiar os seus alunos com esse gosto(...) 
A educação passou a ser um assunto mediático em relação ao qual praticamente todas as pessoas têm opinião, excepto os professores. Está-se a combate um modelo que já não existe(...)
[o populismo pedagógico é a corrente segundo a qual dizemos o que é mais aceitável em vez do que é mais sensato e mais eficaz. Resulta muito bem dizer que na escola as crianças e os jovens têm de ser felizes, mas qual é a tarefa do professor: proporcionar felicidade ou conhecimentos? O objectivo não pode ser proporcionar o bem-estar dos alunos sem os levara a adquirir conhecimentos (...)  
[Os novos gurus educativos] normalmente não são professores. A maioria deles conhece o ensino de «ouvir dizer». São esses que nos explicam, a nós que estamos todos os dias na sala de aula, como temos de trabalhar. São pessoas que, na realidade não têm experiência mas que, paradoxalmente, são considerados especialistas.  
[Nem todos os especialistas são assim], há pessoas bem preparadas que faz estudos interessantes. Mas a verdade é que a figura do especialista em educação muitas vezes está muito afastado das salas de aula. 
[O dogma pedagógico pós-moderno mais nefasto] é a confrontação entre esforço e felicidade. Essa idea, que é muito perigosa, de que esforçar-se supõe um sacrifício inaceitável. Quando, como professores, dizemos ao aluno que, para aprender, é preciso esforçar-se, não queremos que ele sofra. Ao contrário, consideramos que é algo gratificante. Enfrentar um desafio e superá-lo proporciona um desenvolvimento pessoal importante. (...) 
O que o governo está a tentar fazer é algo tão absurdo como solucionar o excesso de pegadogismo, que nos conduziu aqui com mais pedagogismo. Em vez de reconhecer que o fundamental é que o professor tenha um amplo domínio da matéria que ensina (...) o governo considera que o principal problema da educação é a formação de professores mas eu não concordo. De facto, somos nós que estamos a impedir que o barco se afunde (...) 
Pedem-nos que sejamos grandes comunicadores, esquecendo que se comunica tanto melhor quanto mais se sabe. Uma pessoa com poucos conhecimentos não é um bom comunicador é um charlatão um pregador, mas não é um bom professor (...)  
[Os planos de formação de professores das comunidades autónomas incluem 'atenção plena', oficina de cinesiologia,tertúlias dialógicas...] Se a Administração pretende formar o professor com cursos de risoterapia, temos um verdadeiro problema. O que um professor de Música como eu tem de fazer é saber cada vez mais música. Um aluno tem precisa de ter uma certa admiração pelo seu professor.  
[Em relação ao 'design thinking', às 'flipped classrooms', às 'learning analytics'...] inovar não é, em si mesmo, nem bom nem mau, depende. Inovar é fazer algo diferente e isso pode ser positivo ou negativo. De todas maneiras, o professor está sempre a inovar. Eu jamais repito uma aula e mudo continuamente de estratégias. O fundamental é que não confundamos inovar con ser bom professor. Esse é o problema. Um professor pode ser um bom profissional, independentemente de a sua metodologia ser mais tradicional ou mais moderna.  
[No entanto neste debate nos meios de comunicação social sobre inovação o que se destaca é que o ensino se traduz num monólogo do professor que está junto ao quadro e a criança sentada e aborrecida]. É muito raro hoje que um professor faça isso sem que os alunos sequer possam fazer perguntas. Há muitas possibilidades que se podem utilizar na aula e que se inscrevem na instrução directa, que é uma metodologia (...) Muitas das metodologias que se apresentam como novidade são apenas diferentes maneira de ensinar (...)  
[Em relação à substituição dos livros por tablets] não só não temos evidencias de que o seu uso melhore o rendimento académico, como cada vez temos mais evidencias científicas de que prejudicam os alunos. Devemos ser cautelosos antes de implantar uma metodologia(...)  
[Sobre as inteligências múltiplas], o próprio Gardner reconheceu que não falou de inteligências mas sim de habilidades, mas isto teria vendido menos livros. Há questões que a ciência já desmentiu (...). Temos uma só inteligência, outra coisa é que termos mais capacidade para umas actividades do que para outras (...) 
Quando se baixa o nível, pensando que assim mais alunos vão a alcançar os objectivos, estamos a enganá-los. Os que poderiam chegar mais longe desincentivam-se, [aos que manifestam dificuldades] deve ser prestado todo o apoio de que precisam. Para mim a base da escola pública é que cada aluno desenvolva ao máximo as suas capacidades (...)
[Os alunos que não se esforçam nem  querem estudar] são um dos grandes problemas que estão por resolver. O que não podemos fazer é transformar a escola de instituição académica em centro assistencial. É preciso encontrar uma solução para os alunos desligados dos estudos. Uma possibilidade seria estabelecer, o mais cedo possível, itinerários interessantes(...) 
[Considero o Global Teacher Prize, que elege o melhor professor do mundo], bastante frívolo, dar prémios aos professores. O prémio não é para o melhor mas para o mais inovador. Voltemos ao que disse antes. O trabalho do professor é diário discreto e silencioso, não necessita aplausos nem grandes galardões, apenas despertar, dia a dia, curiosidade nos alunos (...) Estamos a confundir ensinar com entreter. E não é o mesmo. O melhor é um grande professor, o que não aceito é que seja um modelo a seguir. Defendo a liberdade metodológica e de cátedra (...) 
Digo aos meus alunos adolescentes que o maior acto de rebeldia que podem ter é aprender. Porque tornando-se pessoas cultas e formadas vai ser muito mais difícil manipulá-las. Não há nada estimulante para um aluno o ver que aprende e que progride.

5 comentários:

Anónimo disse...

O diagnóstico está feito. A escola tradicional já não existe. Lá fora a chuva cai e nós, professores e/ ou pedagogos, continuamos a chover no molhado. Efetivamente, a escola já não é o lugar privilegiado para ensinar e aprender. Eu faço lembrar, mais uma vez, aos mais velhos, que atualmente só algumas disciplinas têm exames nacionais, os "exames" agora não são decisivos, só valem entre 20 % e 30 % da classificação final do aluno, o próprio Governo faz tudo o que pode para fazer entender aos professores mais renitentes que agora não é preciso ensinar, basta detetar as competências que cada jovem tem mais ou menos desenvolvidas e discriminar positivamente os pobrezinhos e os preguiçosos.
Quantas vezes os chamados alunos inteligentes de antigamente não se tornavam pessoas infelizes ao tomarem consciência, através da escola, dos males que afetam o mundo?!
Na escola inclusiva seremos todos muito felizes!

Carlos Ricardo Soares disse...

É irresistível para o homem desejar encontrar uma fórmula mágica para resolver os problemas, e esse é o princípio da vida, da técnica e da ciência.
Disciplinar, adestrar, amestrar um cão ou um gato, ou um humano, não é a mesma coisa. Mesmo que existisse uma fórmula para amestrar, adestrar um bicho, para mudar ou modular qualquer comportamento. Ou existe e não sabemos?
Talvez seja mais fácil domesticar, adestrar, amestrar um humano. Pelo menos, a experiência e o interesse nisso, ao longo dos tempos, tenham contribuído para que assim seja.
Mas quando o problema é ensinar, por uma via, e aprender, por outra, trata-se de uma dificuldade que nenhum Einstein enjeitaria saber resolver através de uma fórmula, que teria em conta as inúmeras variáveis possíveis e imaginárias.
Se pudéssemos entregar, tranquilamente, os nossos problemas e preocupações e obrigações a fórmulas e sistemas robotizados, o ensino seria certamente um deles. O outro seria a aprendizagem.
Os robots que ensinassem e os robots que aprendessem.
Nós estaríamos dispensados.

Anónimo disse...

O desenvolvimento científico que ocorreu na Europa nos últimos quinhentos anos demonstra, à saciedade, que ao longo do percurso histórico muitos homens tiveram o condão de ensinar e, muitos mais, colheram os benefícios do aprender. O impasse educativo, a que chegamos nos nossos dias, resulta das dores de crescimento de um sistema de ensino que ainda não se adaptou à fórmula ENSINO OBRIGATÓRIO E DE EXCELÊNCIA PARA TODOS, principalmente para os que mais precisarem!

Anónimo disse...

A escola não é inclusiva nem para professores...

Anónimo disse...

O modelo de escola onde se ensina e aprende está esgotado em Portugal. Entendida como elevador social, já que abria portas para empregos bem remunerados, pela bitola portuguesa, a escola deixou de funcionar, por excesso de carga. Como os portugueses continuam pobres e a emigrar, não me parece mal que se continuem a aligeirar os programas, apostando forte nas línguas, com destaque para o inglês, o chinês, o francês, e o espanhol, e se recupere o corpo de conhecimentos básicos de história, geografia, ciências naturais e aritmética da 4.ª classe do tempo do Doutor Salazar, mais do que suficientes para que a formação académica dos nossos emigrantes não os deixe envergonhados perante os colegas de trabalho estrangeiros, posto que a nível de salários auferidos e regalias sociais estão lá melhor do que muitos educadores de infância, enfermeiros, ou professores do liceu do paupérrimo Portugal!

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