domingo, 7 de janeiro de 2018

"Claro que é necessário estudar!"

O segundo capítulo do livro O pavilhão dos cancerosos, do escritor russo Alexandre Soljenitsine, tem por título "A instrução não torna ninguém mais esperto". Aí surge um diálogo entre dois homens provavelmente sem futuro mas com um doloroso e infindável presente: Kostoglotov, o entusiasta de Geometria que não conseguiu terminar o ensino superior por ter sido recrutado para a Segunda Grande Guerra, e jovem Dioma, que tudo o que mais queria na sua incerta vida era estudar. Trata-se de um diálogo que interroga o sentido da educação escolar, o que devemos fazer constantemente, mas que não retira o seu valor.
- Vou tentar ler um pouco mais - disse Dioma -, enquanto ainda tenho tempo. Gostaria de entrar na universidade.
- Isso é excelente. Mas lembra-te de que a instrução não torna ninguém mais esperto.
(Que lucrava em falar de tal maneira? E a um garoto?)
- Não torna ninguém mais esperto? Que quer dizer?
- O que disse.
- Então o que nos torna mais espertos?
- A vida
Dioma ficou calado, uns momentos, e por fim redarguiu:
- Não concordo.
- Na nossa unidade havia um comissário chamado Pachkin, que costumava dizer: «A instrução não torna ninguém mais esperto. Nem o oposto. Colocam-nos mais uma estrela no ombro e pensamos logo que somos mais espertos, mas não somos.
- Quer dizer que não é necessário estudar? Não concordo.
- Claro que é necessário estudar! Mas lembra-te, para teu próprio bem
Referência: Soljenitsine, A. (1974, 6.ª edição). O pavilhão dos cancerosos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, pp. 32-33.

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

A necessidade de estudar e a necessidade de ter carta de condução, embora tenham algum paralelismo, são bastante diferenciáveis. Já quanto à esperteza como aptidão inata, ou se ficamos com os olhos mais abertos quando deixamos de ser ingénuos, penso que a questão merece reflexão. Não obstante, passar da ingenuidade ou da inocência para um estado de conhecimento e de advertência, parece-me ser, indiscutivelmente, ficar mais esperto. E, se há efeito que a cultura, em geral, tem nas pessoas é essa instrução, esse conjunto de ferramentas, de meios de comunicação e de expressão e de influência, que permitem o acesso e a utilização de códigos de interpretação...Não digo que é melhor ou pior do que nada, mas se caímos num meio com cultura, quais são as alternativas? A cultura não é escolha nossa, pelo menos nos primeiros anos de vida e de formação. E é lamentável que se lave o cérebro das crianças com religiões e deveres que elas não compreendem.
Isto sim, é uma instrução que as estupidifica e carneiriza/ovelhiza. Ensinem-lhes política e história política e elas ficarão, sem dúvida, mais espertas. Isto sim, é uma instrução que as espertiza/lobiliza para a liderança e o aproveitamento do rebanho.

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