sábado, 7 de outubro de 2017

Universidade fast-food

Na sequência do texto Ensinar devagar.

Fernando Ángel Moreno, professor da Universidade Complutense de Madrid, escreveu um texto muito interessante sobre a orientação (real e desejável) da universidade pública (aqui). Faço de seguida um resumo que destaca o que se me afigura verdadeiro para as realidades de Espanha e de Portugal.


Uma das marcas da universidade pública é a convivência: entre áreas de conhecimento, entre culturas, entre posições teóricas, entre pessoas. De facto, a diversidade constitui um dos valores mais marcantes desta instituição, que, por isso mesmo, deve ser defendido.


É precisamente isto que se pretende eliminar da universidade com o argumento da falta de rentabilidade. Se há poucos alunos interessados numa disciplina (agora chamada unidade curricular) a solução é eliminá-la e dispensarem-se os professores. É como retirar dos livros científicos as notas de rodapé ou as fórmulas para serem mais comerciais.


Se se continuar a pôr à frente de tudo o interesse dos alunos pelas disciplinas para as disponibilizar, perder-se-á, a pouco e pouco, a diversidade. A universidade converter-se-á num conjunto de ofertas especializadas, que se traduzem em qualquer coisa material, por exemplo, dinheiro, sem importar o interesse e o alcance do que se ensine ou investigue. 


Se, sob o pretexto da crise, levarmos para a frente a reforma da universidade deixará de se estudar Dante, certos microorganismos marinhos, filosofia do direito, astrofísica, historia do jornalismo... Isto porque não há procura suficiente. Deixam de se estudar estes e outros assuntos e convertem-se os curso em formação profissional.


É preciso, diz Fernando Ángel Moreno, ser muito mas mesmo muito ignorante para não se dar conta de que o declínio da diversidade docente e da investigação leva ao declínio da cultura de um país e, inevitavelmente, da possibilidade de se entender com outras culturas, com outras realidades. Se na universidade não se fala de certos temas, não se reúnem certas pessoas de diferentes áreas, com diferentes pontos de vista, onde é que isso se pode conseguir? Possivelmente em mais nenhum contexto. 


Entrar numa universidade conceituada talvez ajude a encontrar um emprego em que se ganhe bem, talvez. Mas o mais importante não é isso: é ampliar a formação como pessoa, ser melhor cidadão, por se ter tido contacto com a diversidade.


O conceito de «Universidad Fast Food» (uns estudos rápidos e meramente técnicos, sem diversidade cultural, sem historia do conhecimento, só para "aprender um emprego") será una tragédia para qualquer país.


Àqueles que argumentam «Não te importa nada o que custa essa diversidade», será de recordar que as universidades dinamizam, de modo imediato, a economia local e isso vai-se alargando. O enriquecimento económico e cultural têm algo em comum: são mais firmes quando se perspectivam juntos e a longo prazo.

2 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Vivemos num tempo em que tudo se representa a escalas que não podemos ignorar, sob pena de não vermos a floresta, de tanto olharmos para a árvore e vice-versa.
As literacias (línguas, ciências, gastronomia, filosofia, direito, informática, jogos, engenharias, literatura, o imenso universo das artes, etc....) todas, são incontestavelmente importantes para qualquer pessoa e para qualquer país. Alguém que não se avalie/mire nessa escala vive em grande ignorância/ilusão. Não há como escapar ou fugir desta constatação.
Fazer desta questão um cavalo de batalha só porque muitas crianças e jovens e adultos (não todos, nem sequer a maioria) manifestam dificuldades ou relutância nas aprendizagens, parece-me um erro de todo o tamanho.
Sempre houve e haverá(?) quem aprenda menos e quem aprenda mais e quem aprenda mais de umas coisas e menos de outras. Isso é uma realidade que nem é boa nem má.
O que não me parece bom é que se tenha instituído, como se isso fosse possível, desejável ou necessário, um sistema de ensino-aprendizagem-educação instrumentalizado ou subordinado à ideia, não de que todos sejam "obrigados" ou "forçados" a aprender ou, pelo menos, a experimentar como é uma grande variedade de habilidades e conhecimentos, mas de que todos têm que ser bons numa "coisa" qualquer.
Até admito que pode ser vantajoso exigir-se isso, numa dupla perspetiva do interesse individual e coletivo. Mas não me parece realista esperar que tal aconteça.
A questão da motivação para as aprendizagens, para áreas mais profissionais e de maior empregabilidade ou de maior projeção social pelo estatuto que conferem, etc., é indissociável da motivação para a criação de cursos e disciplinas e não deve ser vista como uma questão de vida ou de morte.
Quantas vezes usamos máquinas e até as reparamos sem sabermos os princípios do seu funcionamento?
Quantos autores/pensadores/escritores/líderes notáveis deixaram obras imorredoiras sem terem passado por uma universidade?
E, por outro lado, quantos especialistas de áreas teóricas nunca fizeram uma única reparação?
E quantos especialistas das múltiplas áreas de conhecimento não fizeram ou deixaram obra nenhuma?
Entre o saber e o saber fazer e o fazer vai uma imensa variedade de distâncias e de escalas, sem ser necessário sequer valorar este ou aquele.
Estou a pensar, por exemplo, na filosofia do direito. Para mim, esta é muito mais importante e interessante do que o direito. Saber falar do direito, da justiça, da justiça dos tribunais e da justiça da Assembleia da república e do Governo e da Administração Pública, etc... é, para mim, muito mais importante/interessante do que saber que lei aplicar a um infractor e aplicá-la.
Na realidade, todavia, o juiz é mais valorizado (e não apenas pecuniariamente) do que o filósofo. O que, aliás, é compreensível.
O valor não tem a ver com a importância teórica dos conhecimentos, mas com a sua importância económica (o trabalho, o mercado, etc.).
E nada me diz que o juiz não seja também um excelente filósofo do direito.
As pessoas veem ou não, no sistema de ensino-formação-educação, um veículo de acesso a objetivos profissionais ou mercantis.
Convenço-me de que muitos estudantes e famílias, ingenuamente, diga-se de passagem, estudam porque querem aprender, querem ser cultos, querem saber, por considerarem o desenvolvimento/enriquecimento pessoal um grande objetivo de vida e convenço-me de que a estes a Escola não desilude, bem pelo contrário. O que pode desiludi-los é a resposta que o mercado tem para eles.
Então a questão é: por que há-de ser o mercado a ditar tudo?

AMCD disse...

Longe vão os dias em que nos comprazíamos em filosofar e discutir as coisas do mundo à sombra das árvores no templo de Academo. Ainda assim sobre o portão do templo um dito advertia: "Exigem-se conhecimentos de Matemática". Grande distância vai entre a verdadeira Universidade e as escolas profissionais em que as "universidades" se tornaram, ou se estão a tornar. A "universidade" é cada vez mais um negócio e cada vez menos uma Universidade. A coisa tornou-se num mercado (ou pelo menos, rege-se cada vez mais pelas suas leis), com a sua procura e a sua oferta, o objectivo do lucro... A procura faz agora a sua oferta, queixa-se o professor espanhol, escandalizado. Há muito que os sinais indicavam que era para aqui que caminhávamos. Em certos países muitos estudantes contraem dívidas para pagar os seus estudos. Muitos dos que não completam os seus estudos e se endividaram, têm de carregar uma enorme dívida durante um longo período da vida.
Em suma, isso a que chamam agora universidade é cada vez menos uma Universidade. É cada vez mais um negócio.

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