sábado, 28 de março de 2015

O fumo faz mal porque tem mais de 70 compostos cancerígenos e não porque tem mais de 7000 químicos!

 
Fumar faz mal à saúde de quem fuma e de quem está perto. Por isso a campanha iniciada recentemente pela Direcção Geral de Saúde é muito meritória e oportuna. Infelizmente, nalguns dos cartazes e anúncios é usada uma argumentação falaciosa que contém ideias preconceituosas sobre uma entidade mítica que é senso comum actualmente chamar químicos.

O fumo é mau para a saúde porque contém mais de 70 químicos comprovadamente cancerígenos e não porque tem mais de 7000 químicos!

As laranjas, as mangas ou as ervilhas que comemos têm tal como o tabaco centenas ou milhares de químicos, a maior parte de origem natural, mas estes, felizmente, não são na generalidade cancerígenos nem tóxicos nem nocivos, embora alguns desses compostos naturais possam causar alergias, intolerâncias, ou ser, nalguns casos, suspeitos de serem cancerígenos. Para além disso, não os consumimos completamente queimados, nem inalamos o fumo dessa combustão. Se o fizessemos também seríamos expostos a milhares de compostos cancerígenos, neste caso provenientes do fumo das laranjas, mangas ou ervilhas!

Todos os materiais naturais contêm milhares de compostos e o facto de serem naturais não os torna melhores ou piores: os compostos mais venenosos e perigosos são naturais. O mais tóxico de todos é a toxina do botulismo, usado no conhecido botox. O fumo resultante da combustão de produtos naturais é um produto natural, mas infelizmente, no fumo estão presentes muitos compostos cancerígenos.   

O tabaco e o seu fumo têm sido - como é bem sabido - dos materiais mais estudados; por isso conhecemos os tais milhares de químicos. Mas volto a dizer, o problema não é serem químicos, mas sim serem químicos cancerígenos e nocivos que resultam da combustão do tabaco e da presença da nicotina e de outros alcalóides!

A niticotina, por exemplo, que muitos acreditam ser um composto que não causa danos, sendo, supostamente, responsável apenas pelo vício, é um insecticida natural que embora não nos mate provoca, com o seu consumo continuado, alterações fisiológicas e mais danos do que se pensa. E a nicotina queimada no tabaco, ou acidificada de alguma forma, vai originar derivados ácidos que são ainda mais nocivos e reconhecidos como cancerígenos. Para além disso, o fumo do tabaco ou da combustão de qualquer outra planta tem milhares de compostos poliaromáticos (designados muitas vezes como alcatrão), os quais são extremanente cancerígenos.São esses compostos que se acumulam nos dedos, móveis e paredes das casas com a característica cor castanha. Sim, são muito cancerígenos, mas não apenas porque são químicos, mas sim porque se confirmou experimentalamente que provocam tumores, porque se ligam ao DNA e provocam um elevado número de mutações que eventualmente podem conduzir ao aparecimento de cancro passados anos.

Conheci várias pessoas que morreram com um tipo de cancro do pulmão que é específico do fumador e uma delas era apenas fumadora passiva. O fumo faz mal e provavelmente ainda fará pior às crianças por estarem em desenvolvimento. Por isso apoio a campanha, mas não posso aceitar a sua argumentação falaciosa e preconceituosa.

Assim, peço aos autores da campanha que mudem o texto para "muitos dos mais de 70 compostos comprovadamente cancerígenos presentes no fumo do tabaco" e ficará correcto, mantendo-se a importante mensagem.

Em qualquer dos casos recomenda-se o abandono do fumo pois, como é bem conhecido, é caro e nocivo. E se não se abandonar o fumo, pelo menos que não se fume junto de outras pessoas.

Mas também não se recomendam as máquinas de fumar. Estas podem não gerar fumo cancerígeno no sentido clássico, mas a nicotina e os seus derivados, assim como outros compostos que lá sejam colocados (e não nos dizem, em geral, quais são), também podem causar problemas!

[corrigi a expressão vaga "milhares de compostos cancerígenos" para um valor mais correcto e comprovável "mais de setenta compostos comprovadamente cancerígenos"; Mais informação aqui, aqui e aqui.]

8 comentários:

Anónimo disse...

Quantos médicos se venderam a dizer que o tabaco não tinha problemas? Já antigamente se sabia dos problemas do tabaco, desde o senso comum à ciência banida.

Anónimo disse...

"O fumo resultante da combustão de produtos naturais é um produto natural" - ora aqui está uma falácia com o sentido do significado de produto natural.

Rui Baptista disse...

Posts científicos que impliquem benefícios para a saúde pública são sempre benquistos.. Obrigado ao autor.

Sérgio Rodrigues disse...

Obrigado. Fiz uma correcção nos números pois eu próprio fui pouco exacto ao referir "milhares".

adelinoferreira disse...

É muito louvável a campanha para a não utilização do tabaco. Considero que deveria ser publicitado exaustivamente que para deixar de fumar é apenas preciso querer: o resto fazem os produtos que estão à venda nas farmácias. Sei quantas vezes tentei e nunca consegui. Não devo publicitar o produto, em todo o caso direi; deixei de fumar, fumando.

João Pires da Cruz disse...

Até porque 70 químicos já devem ser muito difíceis de aturar... :)

José Fontes disse...

Às vezes basta um Físico para ficarmos logo enjoados.

Sérgio Rodrigues disse...

Bill Bryson em "A vida e as aventuras do rapaz relâmpago" comenta os "heróicos" anos 1950 em que o fumo do tabaco "fazia bem e acalmava os nervos", sendo publicitado nas revistas médicas de referência!

A falácia da ambiguidade que usei em relação ao "produto natural" é do mesmo tipo da do "químico" mas é felizmente mais fácil de detectar porque não nos soa bem. Sim, o fogo, os vulcões, os tremores de terra podem ser naturais, mas "produto natural" é um composto de origem biológica, ou seja é um "químico natural". Já a falácia do "químico" usado como algo mau ou assustador em expressões como "ter muitos químicos" vai passando despercebido pelo senso comum.

Eu deixei de fumar há mais de 20 anos. Fi-lo apenas com a vontade, através da auto-educação e da reorganização das rotinas diárias pois é preciso reaprender imensos gestos do dia-a-dia que o fumo ocupa, a hora do café, a pausa para olhar o horizonte, o início de uma carta, etc, etc. Foi difícil, tive muitas recaídas e, passados anos, ainda, de vez em quando, me apetecia fumar. Por isso parece-me que pode haver algum tipo de "tratamento" que ajude a deixar de fumar, mas, provavelmente, o caminho de "reprogramação" pessoal nã pode ser evitado para se atingirem resultados definitivos.

Os "químicos" são um pessoal afável e em geral agradável :)

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...