sábado, 21 de julho de 2012

A erosão do Latim e do Grego

Texto da autoria de Paula Barata Dias, presidente da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, sobre situação agonizante do Latim e do Grego no nosso sistema de educativo. Situação que o De Rerum Natura tem acompanhado com atenção e preocupação.

O ensino do latim e do grego no ensino público em Portugal vive, de há muito, um enquadramento curricular modesto e precário, devido a intervenções legislativas desastradas que têm vindo a erodir as condições para a sua presença nas escolas.

A erosão vem de longe: desde reformulações precipitadas dos curricula escolares até às alterações nas competências requeridas para a profissionalização dos docentes na área de Português e de Línguas Clássicas, chegámos finalmente ao bem conhecido de todos despacho 5106-A/ de 2012. Neste diploma define-se um conjunto de normas relacionadas com as matrículas, distribuição dos alunos por escolas e agrupamentos, regime de funcionamento das escolas e constituição de turmas, que determina o número mínimo de vinte alunos para a abertura de disciplinas de opção.

O Ministério da Educação e Ciência foi alertado pelas escolas, associações científicas e sindicatos para as consequências da aplicação deste normativo para o ensino de disciplinas como Francês, Alemão, Latim e Grego, para nos limitarmos exclusivamente à área das línguas, sabendo contudo que este enquadramento é pernicioso para outras áreas disciplinares.

Contudo, o mesmo despacho, no ponto 5.3, admite:
A constituição ou a continuidade, a título excecional, de turmas com número inferior ou superior ao estabelecido nos números anteriores carece de autorização dos serviços do Ministério da Educação e Ciência territorialmente competentes, mediante análise de proposta fundamentada do diretor do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, ouvido o conselho pedagógico.

Temos conhecimento de que foi emitida, no dia 17 de julho uma recomendação (n.º 4502) às Direcções Regionais (DREN; DREC; DREL; DREALENTEJO, DREALG) com carácter de urgência, para que autorizem a abertura de turmas das disciplinas de opção do 10.º e 11.º anos (com referência específica ao Latim e ao Grego) com número inferior a 20 alunos.

Essa possibilidade já se encontrava prevista no despacho acima referido, mas há Direções de escolas que, no momento de programar o número e tipo de turmas para o próximo ano letivo e da consequente afetação de recursos docentes para a sua lecionação, ignoram este ponto e não são suficientemente esclarecidas pelas Direções regionais ou outros organismos de tutela.

Face a esta circunstância, parece só restar uma alternativa: serem os professores, as famílias e os alunos interessados na manutenção destas disciplinas a insistir pelo seu cumprimento, pois há base legal para pedir autorização de abertura de turmas de Latim ou Grego com menos de 20 alunos.

Paula Barata Dias

7 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Ora, assim gosto mais.

Não conhecia a recomendação de 17 de Julho.

Mas sei como as direções das escolas são por

vezes desastradas e precipitadas.

E tinha para mim que Nuno Crato, havendo quem

o prevenisse, não ia permitir uma tal

barbaridade.

Ainda bem.

Pudesse eu levar ao conhecimento dele algumas

"atrocidades" que constam dos

exames de biologia/geologia desde 2004/2005

para cá. E então alguma coisa mudaria na(s)

equipa(s) que elaboraram aqueles exames. Sendo

que o melhor seria... dispensar essa(s)

equipa(s). O que digo, digo-o com conhecimento

de causa. Só no final deste ano atribuíram-me

60 provas para classificar na primeira fase e

30 na segunda. E se nas da primeira me doeu a

percentagem de 55% de negativas imagine-se o

que sofro agora, que ronda a casa dos 73%!

E não, a culpa não é principalmente dos

alunos. Nem dos professores. Palavra de honra.

Discuto isto com quem quer que seja,

tratando-se de gente séria.

Disse.

Maria Alice Costa disse...

Relativamente ao texto da Professora Paula Dias, sinto-me na obrigação de esclarecer que a situação de «erosão do Latim e do Grego» a que se refere foi levada ao conhecimento da tutela em audiência havida no dia 20 de Julho, pelas 18 horas,com a Adjunta da Secretária de Estado do Ensino Secundário. Nesta audiência participaram os seguintes professores:
. Professora Doutora Maria Cristina de Sousa-Maia Pimentel, Professora Catedrática da Faculdade de Letras de Lisboa e Directora do Centro de Estudos Clássicos da referida Faculdade:
. Professor Associado Rodrigo Furtado, secretário do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Lisboa
. Professora Maria Alice Fernandes Duarte Gomes da Costa, docente do Ensino Secundário, na Escola Secundária D. Pedro V, em Lisboa.

Foi nessa audiência que tivemos conhecimento da Recomendação(n.º 4502 às Direcções Regionais com carácter de urgência, para que autorizem a abertura de turmas das disciplinas de opção do 10.º e 11.º anos (com referência específica ao Latim e ao Grego) com número inferior a 20 alunos. Entendi dever dar conhecimento imediato (através de e-mail) a muitos professores de Latim e Grego (que me haviam feito chegar a informação de que nas suas escolas não estava a ser permitida a abertura de turmas com menos de 20 alunos), no sentido de evitar a extinção de turmas. Reconheço no texto da Professora Paula Dias excertos do texto que enderecei aos colegas (por e-mail, ou mensagem no facebook.
Eis o texto que enviei aos colegas:
Caros colegas

Na sequência da audiência havida hoje no MEC, informo-vos do seguinte:

- foi emitida no dia 17 de julho uma recomendação (n.º 4502) às Direcções Regionais, com carácter de urgência, para que autorizem a abertura de turmas das disciplinas de opção do 10.º e 11.º anos (com referência específica ao Latim e ao Grego) com número inferior a 20 alunos. Essa possibilidade já se encontrava contemplada no despacho 5106-A/2012 de 12 de abril no ponto 5.13. Acontece que há Direções de escolas que parecem ignorar este ponto. Devem os colegas insistir pelo seu cumprimento, pois deve ser pedida autorização para abertura de turmas de Latim ou Grego com menos de 20 alunos. O pedido de autorização deve ser fundamentado
com argumentos como, por exemplo, a escola ter professor habilitado para lecionar essas disciplinas, não haver outra escola da zona que disponha dessa oferta, etc.

- devemos preparar uma intervenção junto do ministro no sentido de exigir que a tutela assuma se quer ou não quer que estas línguas sejam lecionadas. Não podem existir apenas no papel como opções. A tutela tem de garantir que essas opções não sejam «virtuais». Neste sentido, a partir do início de setembro, vamos começar a desenvolver esforços para preparar essa intervenção. Todos nós conhecemos sobejamente o valor formativo ímpar que estas disciplinas oferecem.
Peço aos colegas que divulguem esta informação.
Saudações amigas

Julgo, pois, importante esclarecer de onde partiu a informação e quem constituiu a delegação que se deslocou à 5 de Outubro.

João de Castro Nunes disse...

Acha, Doutor, que nas alfurjas do poder há "gente séria"? JCN

Anónimo disse...

Num país que se preze, a chamada matemática das línguas, que é o Latim, jamais seria objecto de desleixo...

José Batista da Ascenção disse...

Tem de haver, caríssimo Professor, tem de haver.

Embora no espírito da gente comum a dúvida se aprofunde e

alastre.

E é disso que, como cidadão e professor, tenho (muito) medo.

Por isso vou estando muito atento à dignidade de quem muito

viveu e aprendeu e não desiste de ir fazendo lúcidos e

desinteressados alertas.

E quão precisados estamos...

STPedro disse...

Julho / julho
Direcção / Direção
carácter / letivo
Para quê aprender Grego ou Latim se já pouca gente sabe escrever Português?

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Existe um fundamento bem preciso e correcto que atende a língua e a identidade da mesma do vocativo: estructura, flexibilidade e mediação. Responde a ciência por exacta da expressão portuguesa.

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