quinta-feira, 21 de junho de 2012

Acerca de exames, gambozinos, e coisas correntes: que correm, umas vezes, bem, e outras, assim assim (enfim, mal!)


Novo texto de António Mouzinho:

Duas palavrinhas:

Duas palavrinhas para iniciar a conversa: ouvi parte de um recente Fórum TSF sobre exames, em que era convidado o professor Carlos Fiolhais—a introduzir o tema, entrevistado por telefone. Tinha de sair (justamente para os exames…), e apanhei aqui o resto do Fórum, no De Rerum Natura. Fórum, comentários, desabafos—a coisa toda.

Sou professor em exercício e já ando há 40 anos nestas andanças; também fui aluno — 27 anos de escolaridade variada até aos meus 37 anos de idade—, ainda sou quando calha, e já tive tempo para amadurecer ideias, porque ruminei sobre o assunto.

Matéria remoída:

A última frase que ouvi ao jornalista da TSF antes de abrir o debate, e de eu sair de casa, foi a seguinte: «Faz sentido ser mais exigente? Ou corremos o risco de, às tantas, estarmos apenas a preparar os alunos para os exames sem lhes dar uma formação mais global? Retomando aquela metáfora do futebol: ensinamos a marcar penáltis, não os ensinamos a jogar em equipa.»

Depois, começou a dança.

Primeira reação que tive: os exames não são uma marcação de penáltis. O professor Carlos Fiolhais foi aceitando a comparação com o futebol com alguma reserva, dando-lhe o valor que merece a tentação, provocada pela simultaneidade do campeonato europeu. Mas percebeu a fragilidade de alguns paralelos, frisando que não se tratava bem da mesma coisa.

De facto, o erro de partida assenta numa crença bastante popular na seguinte ideia: o conhecimento é algo complexo, profundo, construído. O exame é um acaso, uma superficialidade, uma simplificação. E os alunos são treináveis para o momento, sem passar pela permanência.

Nada mais falso! Devo explicar o seguinte: tenho dado, durante a minha vida profissional, essencialmente, três disciplinas: Desenho, História da Arte e Geometria Descritiva. Diria que a primeira, a artística, é muito vocacional—embora seja passível de aprendizagem por qualquer pessoa normal; a segunda, é da área das humanidades; a última, é uma linguagem de representação gráfica de base matemática. Três áreas muito diferentes, por conseguinte.

Tive alunos em situação de exame nas três disciplinas. E garanto-lhe, caro Leitor, que, após 40 anos de ensino, não faço a menor ideia do que é «treinar um aluno só para o exame».

Porquê? Porque isso não é possível: de facto, o conhecimento é complexo, profundo e construído, de modo que o ensino tem de transmitir todas essas qualidades. O exame limita-se a verificar se o ensino foi eficaz, e se a aprendizagem correspondeu.
3 pontos:

1. Nós (os portugueses) pensamos que há grandes sortes e grandes azares na vida, e que nos exames os deuses jogam aos dados. Isto é patente nos comentários no Fórum que ouvi e li, e é corrente nos debates sobre educação. Porquê? Porque é voz corrente que para tudo o que vale a pena na vida há truques, atalhos, golpes.
Realidade crua—e dura: para exames, não há. A única forma de preparar gente para exame, é dar a matéria toda, insistir no que é fundamental (leia-se: estruturante), e insistir na seriedade do estudo e do trabalho dos discentes. E rever, e tornar atrás, e voltar a dar a mesmíssima matéria, para de novo provocar os cérebros a meditar nas mesmas questões, mas numa nova perspetiva: de revisita, de revisão, de redescoberta—tal qual como se conhecem os meandros de uma cidade: a pouco e pouco, mas com muito passeio, muita insistência, até a ter (quase) conquistada, perspetiva a perspetiva, aroma a aroma, restaurante a restaurante. Acho esta comparação melhor que a do futebol.

2. Nós (os portugueses) pensamos que há nervos, e que há stress, e brancas, e que é possível que alguém saiba imenso e faça um exame miserável. Porquê? Porque temos um ensino extraordinariamente maternal, protetor, que infantiliza e, portanto, diminui e fragiliza os alunos. Ora um aluno que sabe a matéria—toda a matéria—pode ter uma ou outra surpresa em exame. Como num teste. Ou como na vida. Mas funciona, porque sabe a matéria—toda a matéria. Uns pontos melhor, outros pior, sabe. Não porque tenha estado a ser soprado por um preparador de exames, ou por três diretas nas vésperas: apenas porque anda a estudar aquilo há dois, há três anos.

Se um estudante disser que sabia tudo e depois, com os nervos, teve uma branca e foi-se abaixo, uma de duas coisas se passa: o estudante não se preparou (e engana-se ou mente com os dentes todos que tem), ou o estudante tem, de facto, um problema grave de ansiedade paralisante que tem de ser visto por um médico (situação preocupante, que não deve ocorrer apenas em situação de prestação de contas escolares).

3. Nós (os portugueses) pensamos que há a matéria para exame (aahrgh!) e os outros saberes (hmmm!…). Porquê? Porque jornais, cientistas da educação, redes sociais, TV, taxistas, políticos, comentadores, mães e pais sortidos, colegas da bicha da caixa de supermercado, sociólogos, oradores de café, tudo quanto é fazedor e desfazedor de opinião—incluindo um número de profissionais do ensino—foram martelados, nos últimos 20 ou 30 anos, com um refrão: «há más e boas matérias, há aquilo que se marra e há coisas mais sérias» (pode cantar com a musiquinha «Quem tem medo do Lobo Mau?»).

De facto, o saber acumulado por séculos de ensino diz-nos o seguinte: lidar com conteúdos propicia competências; trabalhar sozinho fornece concentração; o trabalho de grupo é interessante nalgumas atividades, perfeitamente dispensável noutras—pelo que deve ser, singelamente, adequado—; tudo aquilo que não é praticado é esquecido (até andar a pé); e tudo isto é perfeitamente natural, de modo que saber a matéria para exame é estruturante, e é essa estrutura que parece apoiar os outros saberes. (Porque é que a expressão me irrita? Porque é saloia: é de gente que pouco sabe, armada aos cágados. Confesso: também isto são outros saberes…)

Ponto final:

Solução fácil: tomem-se todos aqueles (professores, sobretudo) que dizem que é possível treinar alunos ignorantes para fazer só o exame, e dêem-se-lhes turmas. Para eles aplicarem as suas teorias, e os meninos terem notas capitais. Vão ver o brilharete que fazemos nas estatísticas da OCDE!

Solução custosa: tratemos de fazer exames decentes (muitos, são-no!), e de verificar se tudo está a correr bem—os docentes a ensinar, os discentes a aprender. É, de momento, a única forma conhecida de verificar se o ensino de Vila Real de Santo António equivale ao de Abrantes ou ao de Viana do Castelo, e se todos são consistentes.

Os meninos preparados e minimamente cumpridores vão—surpreendentemente—passar; e com orgulho, tanto quanto me lembro das minhas próprias provas — já que nunca fui grande espingarda como aluno: nem sempre oleado, encravava, às vezes…

António Mouzinho

18 comentários:

Sílvia disse...

Muito bem! É, sem dúvida, fundamental haver um instrumento regulador de avaliação externa.

Tiago Santos disse...

O senhor não acredita que se possa ter um ensino apenas virado para os exames. Eu acho que não temos outra coisa. O senhor é professor e eu fui aluno até há muito pouco tempo. Ninguém estuda algo que em principio não saia nos exames. Por exemplo, quando em 2008 o exame nacional de Português versava sobre os Lusíadas e toda a gente apanhou um grande abanão: ah mas os Lusíadas também fazem parte? A maioria dos professores nem sequer dava os Lusíadas porque o normal era sair Pessoa ou Felizmente há Luar.

Além disso, a citação "Nós (os portugueses) pensamos que há a matéria para exame (aahrgh!) e os outros saberes (hmmm!…). Porquê? Porque jornais, cientistas da educação, redes sociais, TV, taxistas, políticos, comentadores, mães e pais sortidos, colegas da bicha da caixa de supermercado, sociólogos, oradores de café, tudo quanto é fazedor e desfazedor de opinião" é de muito mau gosto.

O senhor começa por se apresentar como professor e usa isso como forma de se elevar no debate e depois, trata de pôr sociologos ou cientistas da educação no mesmo plano que colegas da bicha da caixa de supermercado. Quando na verdade, foi o seu artigo que pouco soube ir mais longe do que os comentários arrogantes dos oradores de café que pensam que no tempo da antiga senhora é que o ensino era bom.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor António Mouzinho;

Eu não sou Professor tenho portanto menos condições de saber avaliar corretamente a situação, mas há dúvidas que tenho, das leituras que faço, e para as quais não encontro explicação, nem nestas suas palavras, por exemplo;

Repare no post (ainda o meu post “Um Artigo obre o Ensino Superior no Blogue da Universidade de Aveiro” e respetivos comentários) do Senhor Professor Rui Baptista;

“Nem de propósito, duas semanas após a saída deste meu artigo de opinião, era publicada a seguinte notícia jornalística: “'Contudo, o facto de não haver falta de candidatos para o curso não significa que o método de seriação seja correto. Tenho a convicção que não é inteiramente justo', afirma António Sousa Pereira [presidente do Instituto de Ciências Biomédicas do Porto]. Confrontado com os alunos que entram no curso, explica que 'nem todos correspondem ao padrão que esperamos, dadas as provas que prestaram para entrar, e apresentam altíssimas taxas de insucesso. E se alguns encontram o seu caminho, outros não, o que deixa a sensação que outros mais vocacionados terão ficado de fora'" (Diário de Notícias, 19 de Setembro d e2005)". É a voz da experiência académica e profissional de António Sousa Pereira que fala. Ouçamo-la, pois!”

Agora Professor António Mouzinho vou buscar uma outra citação do Professor Sebastião e Silva (entrevista ao jornal a Capital de 4 de Dezembro de 1968), - ele faz uma crítica às provas do sistema de doutoramento, lamentando o desperdício de tempo e energia dessas provas - e estabelece uma comparação com o desporto, que cito;

“Vou recorrer a uma comparação de carácter informal, apenas para dar uma ideia do sistema ainda em vigor: imagine-se um clube de futebol que, precisando de um bom jogador, decide abrir concurso por provas públicas; suponha-se que se apresentam vários candidatos e que são todos submetidos a uma série de provas extenuantes, sobre as mais diversas modalidades desportivas; é claro que, escolhendo o vencedor, o clube terá o mais versátil e o mais atlético dos candidatos - mas arrisca-se a ficar com o pior jogador de futebol. Eis, mutatis mutandis, o que se passa quanto ao nosso sistema de concursos. Com uma grande diferença: é que o assunto aqui é mais delicado!”

Professor António Mouzinho, o que lhe pergunto é, tendo em conta as citações, (e com as necessárias adaptações evidentemente) como pensa o Senhor que se resolve o problema identificado pelo Professor António Sousa Pereira?

Serão os exames a solução para encontrar o melhor jogador?

Cordialmente,

Anónimo disse...

Não concordo, é verdade que se tem que estudar para um exame, mas também é verdade que naquele dia os nervos possam estragar a vida de um aluno, e não acho que é em 2 horas que se avalia todo o conhecimento de um aluno...

Cláudia S. Tomazi disse...

A senhora Sílvia parece que vive no mundo da lua, lá sem instrumento nem avaliador.

12.º A disse...

O amigo está a lavra num erro, que é o de considerar que os exames são o fator que está na origem da problemática que apresenta pela voz de terceiros.

Ora, sucede que, quando falamos de exames e de acesso à faculdade, estamos a referir-nos a quatro provas: 2 no 11.º e 2 no 12.º. Para além disso, temos dezenas de disciplinas e de matérias em estudo entre o 10.º e o 12.º ano(s).

Os exames cumprem diversas funções - e bem! -, mas não é deles que depende a entrada na faculdade ou a opção por um determinado curso.

A não ser que vingue a teoria, ontem exposta noutro blogue, do sorteio, isto é, sortear os alunos no acesso à faculdade.

Cláudia S. Tomazi disse...

Um dia alguém perguntou-me sobre o ovo de Colombo, enfim o assunto rolou até a discussão de quem nascera por primeiro se o ovo ou a galinha(ave) e nem tanto ruminando, mas a luz do saudável pensamento olhando para o ovo, eis que anterior ao ovo ou a ave a "forma", e que convenhamos possível a presença da luz, mas também a saber a inteligência descreve muitas formas sem a presença da luz, pois o saber em desafiador fora inspirador por construir e atribuir formas ao conhecimento. Creio destas afinidades tal qual o senhor António Mouzinho com relação a Desenho, História da Arte e Geometria Descritiva, matérias de interesse e gosto.

SATANUCHO disse...

clap clap clap , bravo.
caro Mouzinho, assino por baixo

SATANUCHO disse...

aproveito para contar uma historia: há uns anos fui estudar inglês para o instituto britanico e no primeiro dia de aulas (eu era o unico novo aluno) o professor perguntou se queriamos o teste no principio ou no fim da aula (de 3 horas, sacrilégio) eu insurgi-me e protestei, então tinhamos teste todos os dias??? Fui copiosamente gozado por toda a turma e salvo pelo professor que teve pena de mim e me explicou como é que as coisas funcionavam ali, havia teste TODOS os dias e nós podiamos escolher se era ao começo da aula visando a materia do dia anterior ou ao fim visandi a materia do dia. Claro que ao fim de uns meses todos nós refilavamos se o prof se esquecia de nos fazer o teste no fim da aula e essa experiencia guardo-a como uma das mais valiosas da minha vida. testes todos os dias deixam-nos bem preparados para tudo e a vida é um teste todos os dias, ou não?????

Carlos Pires disse...

Os críticos dos exames deviam ser mais coerentes e defender o fim dos concertos musicais e das competições desportivas. É que os músicos e os desportistas treinam durante imensas horas e é certamente injusto que o nervosismo, ou outro azar qualquer, deitem tudo a perder quando se apresentam em público. Por exemplo: se não existissem jogos de futebol mas apenas treinos, o Cristiano Ronaldo não teria passado recentemente por vários embaraços, quando falhou penáltis e golos quase de baliza aberta.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor António Mouzinho;

Para melhor explicitar o meu comentário, e no pressuposto, de que o Senhor concorda com o seguinte principio, que em linhas gerais será assim:

“A obtenção de bons resultados nos exames, não é, condição suficiente e necessária, para que o aluno garanta a correspondência ao padrão que dele se espera, num determinado curso”.

Pergunto-lhe:

É essa a única saída que temos pela frente, - fatalmente, fazer exames - não podemos ir por outros caminhos?

Devemos ficar à espera que aqueles alunos que “apresentam altíssimas taxas de insucesso” como dizia o Professor António Sousa Pereira, tenham “azar” nos exames, e desta forma, não consigam eles entrar para o curso para os quais não têm nenhuma aptidão?

Eu considero que é muito pouco provável que esses alunos não superem um sistema de exames qualquer que lhes seja apresentado.

E finalizo com a pergunta: Então porquê apostar nos exames, e que méritos reais o Senhor lhes encontra?

Eu penso contudo que o caminho que se deve seguir é: o de acreditar nos Professores, na Escola, nos pais e encarregados de educação e sobretudo nos alunos, no seu carácter e nas suas capacidades; em resumo é de uma questão de psicologia que se trata.

Veja de onde eu retiro este meu pensamento com um texto do Professor Sebastião e Silva, “Sobre o ensino da matemática na Alemanhã”:

“A parcimónia de exames, nas universidades alemãs é em grande parte compensada pelo sistema dos exercícios e dos seminários, por meio do qual o assistente e, mais tarde, o professor vão tomando conhecimento do aluno sob vários aspetos, sem o colocar na posição inferiorizante e desconcertante de «pessoa que se sente examinada».

Contra o sistema de exercícios pode objetar-se que, sendo resolvidos em casa, não oferecem confiança.

Eis os termos em que ouvi responder a uma objeção deste tipo: «Primo, o aluno não têm qualquer interesse em se ludibriar a si próprio, permanecendo num curso para o qual não sinta aptidões ou não trabalhe o suficiente; secundo, o assistente, ao conversar nas aulas com os alunos, tem sempre maneira de se aperceber do grau de consciência com que foram resolvidos os exercícios».

Mas é sobretudo o trabalho de seminário que permite ao professor fazer um juízo sereno e acertado dos seus alunos, dando-lhes ainda aquela possibilidade preciosa de descobrir as verdadeiras vocações.”

Cordialmente,

Anónimo disse...

Você diz que os estudantes estudam em primeiro lugar o que pensam que vai sair no exame? Claro, é o que se espera. Isso só prova que os exames são úteis. Sobretudo se forem bem eitos e difíceis.
Ninguém estuda algo que em princípio não saia nos exames. Isto é o que se chama uma trivialidade.
Se não houver exames, nenhuma parte da matéria se espera que saia. Conclua...

Anónimo disse...

Pois só que na lua não vive ninguém. Sabia?

Anónimo disse...

Eu acho que deviam defender o fim de tudo incluindo o homo sapiens. Questão de coerência.

12.º A disse...

Repito: o exame é apenas mais um degrau na extensa escada que constitui a escolaridade inicial de 12 anos (peço desculpa pela imagem frouxa).

O exame cumpre «n» funções no sistema educativo, desde que bem feito e com um grau mínimo de exigência.

Inês M disse...

Concordo com António Mouzinho. No entanto, talvez fosse outro o sentido da frase do jornalista. Hoje, em muitos colégios privados, treinar para exames significa que, nas semanas que antecedem as provas, o horário das disciplinas examinadas (Matemática, Português) chega a triplicar. Para conseguir isto, as aulas de Geografia, História, Biologia, etc., são reduzidas ou simplesmente eliminadas, sem compensação posterior, prejudicando a tal formação global.

Kynismós! disse...

"sem o colocar na posição inferiorizante e desconcertante de pessoa que se sente examinada"

A vida é bem mais cruel que isso...

Fartinho da Silva disse...

Caro António Mouzinho,

Assino por baixo!!!

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