quarta-feira, 21 de março de 2012

O OCIDENTE E A CHINA


Minha crónica no "Público" hoje (no gráfico, aumento da produção científica chinesa, medida pelo número de artigos; neste momento a China só é passada pelos Estados Unidos, não representado aqui, e provavelmente ultrapassará já em 2013 este país):

No próximo ano, comemorar-se-ão os cinco séculos da chegada dos Portugueses à China. Com efeito, foi em 1513 que o explorador português Jorge Álvares chegou, vindo de Malaca, ao Rio das Pérolas. Foi não só o primeiro português, mas também o primeiro europeu a aportar ao “Império do Meio”. Encontrou, talvez para sua surpresa, uma extraordinária civilização milenar. Algumas décadas volvidas, em 1557, a península de Macau era entregue pelos chineses aos portugueses, através de uma licença de estabelecimento que reconhecia uma ocupação anterior e que haveria de valer até ao fim do século passado.

A Ásia não conheceu nada parecido com a explosão do conhecimento que foi, nos séculos XVI e XVII, a Revolução Científica na Europa, um movimento que transformou completamente o mundo. Mas essa Revolução chegou lá. A ciência moderna, uma “invenção” ocidental, chegou ao Oriente pela mão dos portugueses e só por isso Portugal merece umas linhas, senão mesmo uma página inteira, num breve livro da história do mundo. De facto, foram jesuítas portugueses ou formados em Portugal que introduziram na China conhecimentos de astronomia bem mais exactos do que aqueles que dispunham os imperadores chineses, o que passou pela utilização de instrumentos como os telescópios e relógios mecânicos (que se tornaram populares na corte imperial).

A China, desconhecedora da ciência, conhecia, porém, a tecnologia: tinha desenvolvido artefactos avançadíssimos. Que ciência e tecnologia, apesar de hoje estarem intimamente relacionadas, se distinguiram no passado fica claro se pensarmos que, muito tempo antes dos portugueses lá chegarem, tinham sido criadas na China fantásticas tecnologias - a bússola, a pólvora, o papel, a imprensa, etc. Mas, em vez do “saber fazer” da técnica, a ciência caracteriza-se pelo “saber”. A ciência distingue-se pela curiosidade, pela interrogação, pela ultrapassagem dos limites do conhecido. Foi, embora misturada com outras (como a religião e o negócio), uma atitude de curiosidade a que impeliu os navegadores mais ocidentais da Europa a ir mais para ocidente e para sul, e depois, uma vez dobrado o Cabo da Boa Esperança, para oriente, até Macau. Os chineses, pelo contrário, que se colocavam a si próprios no centro do mundo, não tiveram a mesma atitude. Foram os portugueses que foram à China e não os chineses que vieram a Portugal. Mas a pergunta é legítima: Por que razão foi Jorge Álvares a descobrir a China em vez de ser um navegador chinês a desembarcar em Lisboa? De facto, os chineses dispunham na época de meios formidáveis de navegação (alguns dos seus navios “metiam no bolso” as frágeis caravelas lusitanas) e os seus almirantes só não vieram mais para ocidente por manifesta falta de interesse. Houve um, Zheng He, que, logo no início do século XV, chegou com portentosa frota à costa oriental de África, mas voltou para trás, não passando o cabo em rota inversa à de Vasco da Gama.

Como é sabido, a ciência chegou ao Oriente para ficar: deixou há muito de ser um património ocidental para se tornar num bem universal, partilhado por Ocidente e Oriente. Se houve há cinco séculos uma passagem do testemunho científico de Ocidente para Oriente, hoje há uma passagem de testemunho em sentido inverso quando cada vez mais ciência e tecnologia e cada vez mais produtos de base científico-tecnológica vêm da China. Hoje, os chineses são dos povos que mais participam no esforço científico global de descoberta do conhecimento em todas as áreas. O lucro começa por ser local. O impressionante crescimento económico chinês nos últimos anos tem um forte contributo da ciência e da tecnologia. O previsto crescimento do PIB chinês de oito por cento este ano dá-se ao mesmo tempo que cresce o apoio do governo central à investigação, que vai subir este ano de doze por cento para 36 milhares de milhões de dólares. E, se a relação entre ciência, tecnologia e economia já é grande, o objectivo governamental é que seja maior. O primeiro-ministro Wen Jiabao solicitou no seu recente discurso no Congresso do Povo uma “integração ainda maior da ciência com a economia”. Estava, por exemplo, a pensar na investigação em agricultura, necessária para alimentar uma classe média emergente.

Estará hoje em declínio a civilização ocidental enquanto o Oriente ascende? O historiador britânico Niall Ferguson, autor do livro saído há pouco entre nós “Civilização: o Ocidente e os outros” (Civilização) discute precisamente esta questão. Mas, quando aí lemos os factores que determinaram o domínio do Ocidente – por ordem alfabética, a ciência, a competição, os direitos patrimoniais, a ética do trabalho, a medicina e a sociedade de consumo -, não podemos deixar de reconhecer que a actual emergência da China é, afinal, o triunfo da civilização ocidental.

1 comentário:

Cláudia S. Tomazi disse...

De mãos dadas com a complacência
seria tal gigante leve como o dia
importante fazer vibrar a ciência
pela grandeza com similar melodia

o mundo é de infinita competência
e o livro o universo que posiciona
comparando da vez, talvez o realejo
nasce o som ao animá-lo e funciona

que mistério fora engenho por estudo
se o projeto é que constrói a manivela
posto que Deus é o leme e não o açoite

então ao empurrar-nos contra a noite
é quimera se atrela, realçar o conteúdo
tendo por luz o sol a estrela mais bela.

NOVOS CLASSICA DIGITALIA

  Os  Classica Digitalia  têm o gosto de anunciar 2  novas publicações  com chancela editorial da Imprensa da Universidade de Coimbra. Os vo...