quinta-feira, 24 de novembro de 2011

LIVRARIAS - Onde vivem os livros

Nova crónica da escritora Cristina Carvalho:


Locais bem cheirosos, caos organizado, confusão harmoniosa, mesas e prateleiras, estantes e escadotes, pequenos balcões onde uma pessoa, um alguém aparece atrás de respostas claras para perguntas vagas «olhe, se faz favor, procuro este livro que se chama tal e tal, do autor tal, daquela editora…» e «um momento, vou ver se tenho, é só um instante!» e enquanto o alguém vai e vem, procura e encontra ou procura e não encontra, remexemos e afagamos com o olhar os livros ali à volta, «não tenho esse livro que procura, mas…já conhece este que chegou ontem?» diz, tirando dum caixote um exemplar ainda sem destino de exposição, mas que decerto irá para o primeiro plano que a sua novidade lhe confere.

Conheço belas livrarias em belas cidades portuguesas, espaços de requintado de bom gosto, de atraentes novidades, sempre na “crista da onda” com profissionais preocupados, atentos e diligentes. Também sei - todos sabemos – do esforço que é feito para as conservar na sua digna condição. Lá se fazem encontros e se organizam conversas com escritores e autores variados, lá se confraterniza em tertúlias, lá se toca música, lá convivem as crianças em atividades de fim-de-semana, lá se passam filmes, lá se vai vivendo uma esperança de sobrevivência cultural. Também sei – todos sabemos – do encerramento de muitas livrarias, uma dor difícil de imaginar. E porque encerram as livrarias em Portugal?

Vou tornar a perguntar: Porque encerram as livrarias em Portugal?

Vou perguntar mais uma vez: Porque encerram as livrarias em Portugal?

Desgraçadamente, todos sabemos a resposta. Nem valerá muito a pena martelar nesta pergunta porque corremos o risco de sair, mais uma vez, envergonhados com a resposta.

As velhas e boas e pequenas livrarias em Portugal encerram porque, atualmente, e quanto mais “avançados” estamos, menos leitores existem. Porque a realidade transformou-se. Passou a ser outra realidade. A televisão dá. A televisão “ensina” pequenos e grandes. Os livros passaram a ser vendidos nos supermercados como latas de palavras, tal como latas de atum. Os livros passaram a ser vendidos em espaços gigantescos e desumanizados, à mistura com muitas outras coisas, distribuídos por ilhas e ilhas e mais ilhas de livros colocados, muitas vezes, sem critério por funcionários desinteressados que distribuem esses livros por essas ilhas como podiam distribuir outra coisa qualquer pouco identificada.

 Uma livraria é um altar de vários cultos. Uma velha (antiga) livraria é um espaço de uma dignidade incomparável na venda livros novos ou manuseados (alfarrabista). Numa boa e antiga livraria, daquelas que por essa Europa fora, em tantas vilas e cidades, são preservadas e conservadas como uma preciosa jóia duma enorme família, os leitores e amantes de livros encontram e têm garantida a paz.

É uma pena, uma dor, é algo que nos fica entalado na garganta cada vez que sabemos de mais alguma que fecha ou que tem de fechar a sua porta. E, geralmente, fá-lo silenciosamente. Fecha e está fechada! É algo que parte para sempre. Não podemos fazer nada! Imagino, posso imaginar as pessoas que as fizeram nascer ou que nelas trabalharam e investiram o seu gosto pessoal, que marcaram essas lojas com o seu estilo, que “serviram” os nossos interesses de leitura e de saber.

Ainda as há! Regozijemos! Ainda as há por aí. Vivas e ativas! Tão bom saber que aí estão, bem perto! Cito, por exemplo, a livraria Livro do Dia em Torres Vedras, a livraria A das Artes em Sines, a livraria Arquivo em Leiria, a livraria 100ª Página em Braga, a livraria Lello no Porto, a livraria Bertrand no Chiado em Lisboa, a mais antiga livraria do mundo, em atividade desde 1732.

Não quero mais sentir essa miséria, mais esta miséria a que o meu país cultural está votado. Com todos os meus sentidos, longe da loucura, eu pretendo que mais nada possa acontecer de cruel, de terrível em relação ao prazer e ao conhecimento que nos vem numa viagem com livros. Que a relativa felicidade vem também através deles.

VIVAM AS PEQUENAS LIVRARIAS DAS CIDADES GRANDES!

Adeus, pequenas livrarias de sempre, para sempre na memória!

Cristina Carvalho

1 comentário:

Gonçalo Birg disse...

Não costumo dispender muito tempo à procura de blogs, mas o título deste "post" automaticamente accionou um impulso neural para o ler.
Infelizmente, de facto, em Lisboa e não só, tem vindo a perder algo que eu considero como o valor acrescentado das cidades, as livrarias. Vários são os motivos, mas é sempre com alguma mágoa que ao fim-de-semana não se possa já ir passar uma tarde a "cheirar" livros, sobretudo com amigos igualmente interessados. A leitura desde que está acessível a todos continua a ser a única ferramenta capaz de fornecer à pessoa as qualidades suficientes para vingar no mundo - talvez com excepção no mundo da "bolsa" em que são precisas outras qualidades...
Quando são poucas as pessoas interessadas as livrarias fecham porque os livros são para ser procurados e não anunciados. É isto que torna tão especial a leitura.
"Uma casa sem livros é um corpo sem alma" - Cícero

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