sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O esforço e a dedicação valem sempre a pena

Ana Almeida, a aluna referida no texto Estamos completamente isolados concedeu uma entrevista ao De Rerum Natura. Trata-se, como o leitor poderá perceber, de um depoimento que traz luz, esperança ao nosso ensino.

P: Começo pela pergunta que fiz ao seu colega Afonso, que antes de si, no ano passado, participou no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature, tendo ambos sido premiados: O que significou para a Ana a participação neste concurso?

R: Mais do que enriquecimento académico e cultural, trouxe-me um profundo enriquecimento pessoal. Na verdade, desde a intensa preparação do exame nas aulas – com a ajuda dos meus colegas e, especialmente, da incansável minha professora, sem a qual nada disto teria sido possível e a quem estou eternamente grata – até à viagem à Grécia, aprendi muito, vivi muito, senti muito. Foi, no fundo, a prova de que o esforço e a dedicação valem sempre a pena. Especialmente quando se trata de algo que para nós tem significado.

Os textos estudados – duas partes dos Memorabilia, de Xenofonte – foram um incentivo maior. Em primeiro lugar, pelo desafio que representavam a nível linguístico, tendo em conta que exigiam um conhecimento superior àquele que nós possuíamos. Sim, foi necessário estudar bastante, investir muito tempo, dar voltas e voltas a pequenos fragmentos de frase, às vezes com uma palavra só… Porém, no fim, quando conseguia decifrar o que estava à minha frente, o sentimento de missão cumprida, o tomar de consciência de que, afinal, era capaz, posso mesmo dizer, o orgulho que sentia em mim própria, compensava todo o suor gasto. Além disso, não posso deixar passar em branco o próprio conteúdo dos textos. Baseados nos valores e princípios da educação na sociedade grega, tiveram, claramente, um teor educativo também, que eu apreendi e que é sempre importante na construção pessoal.

Por fim, a viagem à Grécia foi a «cereja em cima do bolo». Foi o reconhecimento e a recompensa objectiva de todo o esforço e empenho dos quais eu já me sentia, no entanto, recompensada. A partilha de experiências com as pessoas que lá conheci, essa é indescritível. Na verdade, significou que não estava sozinha, que não pertencia a um mundo aparte, mas sim a um mundo onde as Clássicas são reconhecidas e valorizadas. Esse sim, foi dos melhores prémios que eu, enquanto pessoa e estudante, pude ter.

P: Que lugar têm as Clássicas na sua vida?

R: As Clássicas foram uma das descobertas mais importantes que fiz até hoje. Não foram apenas as minhas disciplinas preferidas, foram, acima de tudo, uma aprendizagem fundamental na minha formação como aluna e pessoa. Actualmente, com muita pena minha, não as tenho tão presentes na minha vida pois encontro-me na faculdade, num curso onde não as estudo. Contudo, nunca são esquecidas. Tanto o grego como o latim, transmitiram-me conhecimentos que podem ser aplicáveis todos os dias – a nível de linguagem, de cultura e de valores; porque, mais do que regras gramaticais e traduções, trata-se do estudo de uma sociedade na qual assenta a nossa e cujos hábitos, organização social, crenças e princípios – todos eles intemporais - são a base que hoje nos sustem. As Clássicas têm uma beleza intrínseca que apenas pode ser reconhecida quando são estudadas e quem as estuda por gosto, sente essa mesma beleza e jamais a esquece. É por isso que, de uma forma ou de outra, sei que me acompanharão sempre ao longo do meu percurso.

Muito obrigada.

Imagem: Ana Almeida e Konstantinos Karkanias, Presidente da Organização de Promoção da Língua Grega.

3 comentários:

joão viegas disse...

Prezada Ana Almeida,

Vou contar-lhe uma historia e fazer-lhe uma confissão.

Quando eu estava na faculdade (ainda era o tempo do concurso nacional de ingresso ao ensino superior) para ganhar uns tostões durante o verão, trabalhei no ministério da educação como auxiliar, no serviço que se encarregava de aferir as notas dos candidatos e de calcular as médias, para saber quais seriam os apurados.

Ora pude testemunhar um caso que me marcou : um aluno (julgo que de Braga), com média superior a 18, não pôde concorrer aos cursos de direito, como ambicionava, porque apenas apresentava notas a historia, filosofia, e... latim. Acontece que o latim não podia contar, pois não se tratava de uma "lingua viva". Ou seja, se o aluno tivesse estudado sueco, azeri ou serbo-croata, podia concorrer a direito. Mas latim, não.

Agora a confissão. Eu andei no liceu no dobrar dos 70 para os 80. Na altura, o ensino do grego e do latim reduzia-se a nada, era completamente desprezado. Foi portanto sozinho, ja na universidade, e mesmo depois da universidade, ja a trabalhar, que estudei grego (um bocadinho so, infelizmente), e latim. Não que quisesse brilhar nos salões, mas unicamente porque necessitava (e necessito ainda) senão para ler os classicos, pelo menos para tentar consulta-los na lingua original, o que continuo a achar imprescindivel, mesmo de um ponto de vista puramente profissional. E na minha profissão, como advogado, pode acreditar que o direito romano me serve tanto, ou mais, que a ultima jurisprudência.

Não sei que curso a Ana resolveu tirar e ignoro a que profissão se destina. Mas pode crer que são muito raras (corretor na bolsa, e talvez mais uma ou duas) as profissões em que a sua cultura classica não lhe podera valer, e muito.

Parabéns !

Miguel Galrinho disse...

Considero particularmente interessante quando a Ana diz que "Por fim, a viagem à Grécia foi a «cereja em cima do bolo». Foi o reconhecimento e a recompensa objectiva de todo o esforço e empenho dos quais eu já me sentia, no entanto, recompensada". De facto, é muito importante a ideia de que o esforço é logo recompensado simplesmente pelo facto de sentirmos que aprendemos algo e que o nosso conhecimento está mais rico. No entanto, muitas vezes a recompensa acaba por ser dupla, quando esse trabalho é reconhecido por outros. Mas essa é apenas, como foi dito e muito bem, a "cereja em cima do bolo". Parabéns.

Anónimo disse...

É com certo regozijo que vejo numa colega de turma e grande amiga minha o prazer das clássicas e, sobretudo, a vontade enorme que teve em aprendê-las; na verdade, eu próprio pude defrutar também, ao lado dela, dessa mesma formação que, actualmente, é raríssima. Felizmente, e ao contrário dela, pude enverdar por outro caminho a rumo das Clássicas e dos nossos Clássicos e estar a ter, neste momento, o meu quarto ano de Latim, ainda que seja (novamente) de iniciação.
Lembro-me de quando a nossa Professora nos propôs o concurso e, à medida que o tempo ia passando, a velocidade com que eu e a Ana tentávamos declinar as palavras sem errar e a rapidez que tínhamos aquando a enunciação dos substantivos e dos diferentes adjectivos; e no meio deste concurso, surgiu entre nós uma competição, vá... dita: saudável. Ora, não é qualquer um que pode dizer que tinha uma espécie de 'rivalidade' nas aulas de grego e que tinha uma amiga que tinha a mesma partilha de interesses: visto por fora, éramos gente de outro tempo, o que é mentira!
Lembro-me desse ano tão bom, de quando díscutíamos Sófocles à mesa e Homero nos corredores da escola; decerto, que ela deve ter saudades de carregar o peso brutos dos dicionários que tantas memórias nos trazem.
Todavia, sei que num grupo tão pequeno existo eu e outros, cuja vontade de aprender (as Clássicas) se fez insurgir mordazmente aos critérios ocos desta sociedade ignorante e de falsas aparências.

Bem haja,
Lourenço Pais

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