segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sei que onde estiverem o lembrarão

Em Agosto de 2008 dei aqui a notícia do trabalho louvável de uma escola (Escola Rodrigues de Freitas), de uma professora (Alexandra Azevedo) e de um aluno (Afonso Reis Cabral) que se traduziu na participação no European Student Competition in Ancient Greek Language and Literature, promovido pelo Ministério da Educação da Grécia, o que lhes valeu um 8.º lugar nesta competição, entre quase 4000 candidatos.
Voltei a falar com Alexandra e Afonso (na fotografia ao lado, com o Ministro da Educação da Grécia) a propósito dessa participação e do que os ocupa no presente.

P: O que significou para vós o prémio que vos foi atribuído no ano passado?

Alexandra: Será necessário começar por dizer que formada em Clássicas pela Faculdade de Letras de Coimbra, em 1992, só leccionei Grego no ano lectivo passado pela primeira vez. Sou das raras professoras que tem a sorte de ter tido sempre, ao longo destes anos, turmas de Latim, mas o Grego não tem cabido nos nossos curricula, onde os clássicos são sinónimo de passado… Assim, a possibilidade de leccionar grego foi, só por si, um prémio pessoal. Os alunos que tinha eram rapazes e raparigas muito interessados, com gosto pelo saber e adoraram a disciplina. A proposta do concurso pareceu-lhes ambiciosa e, por isso, apenas o Afonso se quis aventurar. Um ano de Grego é apenas um abrir portas aos autores, à cultura e a um pequeno nada de língua, mas foi muito motivador. O Afonso dedicou-se a estudar Arriano e Isócrates e conseguiu ser apurado. Fez um óptimo trabalho, claramente reconhecido pelo Ministério Grego. Foi, aliás, escolhido para falar na televisão grega. É um ser humano «grande» e que sabe abrir portas, pelo que tem os olhos postos no mundo que o rodeia. Julgo que se tenha identificado com os valores clássicos e penso que isso o marcará. A ele e aos colegas. O prémio…pois…um orgulho…! Uma compensação… com um misto de tristeza por não poder responder às solicitações que a Grécia me fazia. É muito difícil explicar na Europa - da qual neste campo estamos completamente isolados - que em Portugal não se estuda Grego, nem Latim, e que, por muito que eu queira ajudar, pouco consigo fazer… Mas sim, naquele dia, em Atenas senti-me emocionada ao recebermos as belíssimas medalhas. Foi um programa sensacional. Uma experiência inesquecível.

Afonso: Para mim significou, antes do mais, que vale a pena o esforço, o trabalho e a ocupação de tempos livres para o estudo. Foram meses intensos, mas cheios de compensação pessoal. Depois, teve milhares de outros significados, tão importantes como o primeiro. Aprendi o quão carismática e dedicada pode uma Professora ser, apontando sempre o caminho. Aprendi que as línguas mortas estão afinal vivas. Aprendi que uma empreitada desta natureza nunca é um esforço singular, mas plural, já que passou pela Professora Alexandra e por mim, mas também pelos meus colegas, nas pequenas cedências e grandes simpatias de que deram mostra. Isto foi, essencialmente, o que significou o trabalho: poderia ter saído tudo gorado, nos resultados, que nunca seria um verdadeiro flop, por assim dizer. Este pensamento, enquanto não chegaram os resultados, foi reconfortante. Depois da semana grega, estando tudo terminado, o prémio ganhou novos significados. Mostrou-me que o tal esforço conjunto se pode traduzir numa semana divertidíssima e descontraída, dotada de um sol extraordinário, de praias semi-paradisíacas, de amizades cimentadas, etc. Significou também um sentimento de comunhão europeia, que até à data nunca tinha experimentado, no sentido de que, apesar de sermos todos diferentes, estávamos ali pelos mesmos motivos e partilhávamos todos um pouco da mesma cultura. Isso foi muito reconfortante.

P: O que fazem, neste momento, de extraordinário nas Clássicas e pelas Clássicas?

Alexandra: De extraordinário? Nada. Portugal não permite. O que de extraordinário sinto que faço é ver em cada aula de Grego os 7 alunos que tenho este ano ouvirem com interesse e gosto os mitos, lerem as obras integrais em tradução… enfim, conhecerem. O que há de mais extraordinário para mim é confirmar que, ainda que o Ministério negue ano após ano, reforma após reforma, a importância dos clássicos, os alunos têm interesse e gosto. Mas não se ama o que não se conhece. O Amor nasce da convivência. É assim na vida. É assim também com a cultura.
Como não há Latim no 12º ano, a escola deu-me a mim e ao meu colega e amigo Jorge Moranguinho a possibilidade de prepararmos os 4 melhores alunos que haviam tido a disciplina no 11º ano para concursos de Latim. Assim, num bloco semanal, traduzimos Ovídio e Horácio, com vista a estes dois concursos. Neste momento, o Jorge estava de partida para Sulmona para participarmos num concurso de tradução de Ovídio, que foi adiado por causa do terramoto, visto que Sulmona fica na província de Áquila. Em Maio, estarei eu com duas alunas em Venosa. É evidente que os quatro anos, seis, oito… que os outros alunos europeus têm de aprendizagem do latim não permite a Portugal ter expectativas, mas a experiência é fantástica e sentimos que estes alunos crescem intelectual e interiormente. Os clássicos são exemplos de virtudes humanas. De igual modo, concorremos novamente à Annual Competition of Greek language and Culture. Este ano era Xenofonte o autor proposto, a obra Memorabilia. Os alunos adoraram a fábula de Pródico, em que o herói Hércules conhece a Virtude e o Pecado, na forma de duas mulheres, tendo de escolher qual o caminho a seguir… Também o diálogo de Sócrates com o filho Lamprócles sobre a importância da mãe na vida de um ser e na sua educação, foi motivo de discussões acesas e muito importantes. Foi um mês e meio de trabalho intenso. Valeu a pena só por si. Veremos se temos sorte. Todos eles estão de parabéns pois trabalharam muito bem. Em Junho saem os resultados.

Afonso: Não posso dizer que, agora, faça algo de extraordinário nas e pelas Clássicas. O extraordinário terá que ficar ao cuidado da minha Professora!... Re-estudo apenas Latim na Universidade Nova de Lisboa, onde estou a tirar o curso de Estudos Portugueses e Lusófonos.

P: Que lugar têm as Clássicas nas vossas vidas?

Alexandra: Adoro ensinar. Poderia fazê-lo em qualquer disciplina. Mas a verdade é que ensinar Latim e Grego me permite tentar que os alunos pensem melhor, ajam melhor, sejam melhores pessoas, com mais cultura geral. Sei que é isso que tem tornado a minha relação com eles diferente, ao longo destes anos. Não tenho ambições de formar classicistas, mas sim gerações mais cultas, que tenham vontade de mudar o rumo da educação no nosso país. E isso, em pequena escala, minúscula, ínfima, sei que tenho conseguido. Guardo no coração cada aluno que passou pelas minhas aulas de Latim, e agora nas de Grego. Unem-nos as leituras conjuntas que fazemos, as viagens que fizemos juntos. Sei que onde estiverem o lembrarão.

Afonso: Como já disse, as Clássicas têm agora um lugar mais limitado na minha vida, sendo que não segui esse caminho directamente. No entanto, as Clássicas mantêm-se em linha paralela com o meu percurso académico. Estão sempre visíveis e servem de apoio aos meus estudos literários. A base que construí no Secundário tem-se revelado essencial em inúmeros aspectos, começando no domínio da língua e acabando no domínio da cultura. Sem elas, as Clássicas, o curso não me estaria a correr bem.

P: Como vêem, neste momento, o futuro das Clássicas no nosso país?

Alexandra: Sei que remo contra a maré. O Latim e o Grego não vendem em Portugal. Ninguém parece entendê-lo – ou poucos… É com espanto e um misto de vergonha que chego todos os anos a Itália e vejo centenas de jovens que estudam para Medicina, Engenharia ou Economia e que têm latim, grego; leram Homero, Virgílio, conhecem Horácio e o recitam… Que distância dos jovens portugueses! Os mesmos problemas sociais, as mesmas dificuldades económicas, as mesmas lutas contra novas dinâmicas tecnológicas, mas uma Escola que se quer Escola; que assume o seu papel e que não abdica dele. É com tristeza que vemos o fim dos cursos de literaturas no Secundário… que vemos o Ministério ignorar as tendências europeias, como se Portugal tivesse seres humanos diferentes… Em Itália ou na Grécia, sou sempre recebida de braços abertos pois acho que vêem em mim uma esperança… enganam-se, sinto que são os últimos combates… Mas, sim, continuarei, enquanto puder, a lutar contra a maré.

Afonso: Posso apenas falar sobre o futuro das Clássicas no país no que diz respeito ao ensino secundário, já que é a experiência que eu tenho. Nesse campo, o futuro não é brilhante. O Ministério da Educação deambula entre o incompetente por negligência e o incompetente por agressão. Parece que não sabe nada, que não percebe nada, que não se interessa por nada: não soube sequer, por exemplo, dar a informação profissionalmente e sem falhas, que a Professora necessitava, de quantos alunos de Grego existiam à data em Portugal; nem sequer soube, o que me espanta, aproveitar os louros alheios. Ou seja, o trabalhinho estava todo feito: porque não aproveitá-lo? Isto pode parecer um pouco irónico, mas se tal tivesse acontecido demonstraria um mínimo de interesse, mesmo que por oportunismo. Imagine que só depois de muitas súplicas via e-mail conseguimos que prestassem atenção. Depois de todo o trabalho, esta foi uma demanda inglória e castradora: fazer com que o Ministério nos ouvisse! Quanto ao panorama geral, que é o mais importante, penso que deveria haver mais mobilidade e opção de escolha das disciplinas, porque me parece um convite à desistência só haver Grego no último ano (e como opção entre outras cadeiras, por exemplo, Psicologia) de um agrupamento já de si super especializado, o de Línguas e Literaturas. Uma maior mobilidade e alargamento de opções incentivaria os alunos a escolherem estas disciplinas. Claro que a desculpa de sempre é que não existe um número de alunos suficiente nestas áreas. Pois como pode haver, se nos atiram para um canto obscuro e de difícil acesso, visto erradamente por muitos como sem qualquer saída profissional? Gera-se então um ciclo vicioso difícil de quebrar. Não há apoio porque não há alunos, não há alunos porque não há apoio. Enfim, tudo isto tornou mais difícil a presença das Clássicas no Secundário. Conclusão: se a coisa continuar assim, pura e simplesmente não há futuro.

7 comentários:

Anónimo disse...

O que significou para vós o prémio que receberam no ano passado na Grécia?

"vós" e "receberam" não bate certo... (2ª pessoa vs 3ª pessoa)

Anónimo disse...

Isto é tudo muito bonito, principalmente quando são os professores a fazer os trabalhos.
A quase totalidade dos alunos de humanidades dessa escola escolheram essa via porque são extremamente limitados para seguirem ciências. Não é uma critica, é uma constatação.
De qualquer forma, parabéns à professora Alexandra. Mas realmente aqueles alunos são uma nódoa na escola. Claro que há nódoas maiores, como sejam os indiscritiveis CEF e os novos delinquentes dos profissionais.

Anónimo disse...

Sou totalmente de desacordo com a segunda opinião expressada: «A quase totalidade dos alunos de humanidades dessa escola escolheram essa via porque são extremamente limitados para seguirem ciências. Não é uma critica, é uma constatação.»
Enfim... Eu pessoalmente estou em humanidades e tenho muito gosto pelo que faço, estudo e aprendo. E não digam que é mais fácil humanidades do que ciências e que lá (no curso de humanidades) encontra-se lá uma grande parte de alunos com limitações para seguirem ciências, porque então em ciências encontra-se uma grande parte de alunos com limitações para seguir o estudo de línguas. Na verdade, este país cada vez se rege pelas ciências como via para o futuro, mas esquecem que as ciências precisam das línguas e da cultura para progredir espiritual e materialmente.
O homem agora cresce inculto e limitado de espírito, e isto sim é uma constatação real que generalizo.

Enfim... Adoro comentários como o segundo; sem causa e conhecimento. E mesmo que frequente a escola sabe que não é assim. Isso tipo de comentários próprios do censo comum.

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Anónimo disse...

Macte, animo! Generose puer sic itur ad astra.

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Maria do Carmo Vieira disse...

No momento em que impera a boçalidade cultural e em que se fomenta a ignorância, classificando euforicamente os autores e as línguas clássicas como «coisas antiquadas que pouco têm que ver com os interesses dos alunos» foi com regozijo que li esta entrevista e guardei com admiração as palavras dos entrevistados. Remando contra a maré se alertam os distraídos e despertam os resignados. O Tempo encarregar-se-á de demonstrar que esse esforço persistente, e ditado pela convicção, não será em vão. Bem-hajam!

xana disse...

Infelizmente , penso que o Tempo parece fluir em Portugal de um outro modo, num outro ritmo diferente do resto do mundo, quase arriscaria dizer...Na América, fazem-se acampamentos de férias baseados em textos clássicos, concursos...é triste viver num espaço em que a Verdade do Tempo parece contar tão pouco...
Obrigada, contudo, pelas palavras de ânimo, que junto às alegrias que no quotidiano me ficam com os alunos que me rodeiam e que comigo vão descobrindo o Belo.

Alexandra

Anónimo disse...

Peço desculpa pelo meu erro;na verdade é senso.

Contudo, eu conheço bem o trabalho da professora Alexandra e não creio que se baseie no «professor faz» Sem querer ferir quaisquer susceptibilidades ou até mesmo querer transmitir a chamada 'graxa' deixo aqui presente a ideia que de que quem dera a muitos professores chegar aos calcanhares da professora Alexandra.

Quanto ao Afonso: esforçou-se decerto e muito.

Não vale a pena gastar o meu tempo como pessoas como o anónimo de espírito mesquinho e limitado.

Boa noite **

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