terça-feira, 11 de março de 2008

Prós e contras do micro-ondas

(continuação do post de Jorge Páramos, «Como funciona um micro-ondas)

Depois de compreender o fenómeno, a empresa Raytheon patenteou o forno micro-ondas e iniciou a sua comercialização. O primeiro vendido foi um mostrengo de quase dois metros e mais de 300 quilogramas, com o magnetrão arrefecido a água. Rapidamente foi miniaturizado, evoluindo para a pequena caixa mágica que conhecemos hoje.

Um forno micro-ondas moderno. Note-se a fina malha metálica que reveste a porta e impede a saída das micro-ondas (Crédito: Westinghouse)

Inicialmente, o forno micro-ondas foi rejeitado pelo público, receoso dos efeitos perigosos de potentes raios a brilhar sobre a comida. No entanto, o esclarecimento progressivo e a incrível rapidez de utilização levou aque se vendessem cada vez mais aparelhos, até serem imprescindíveis em qualquer lar moderno. Mesmo assim, alguns mitos alarmistas resistiram até aos nossos dias, como por exemplo:

• Teme-se que os micro-ondas modifiquem a estrutura e qualidades da comida.

Estas radiações não são ionizantes, limitando-se a provocar a oscilação das moléculas de água, gordura e outras substâncias polares.

• A porta transparente de um forno micro-ondas causa algum receio, perante a possibilidade de fuga de radiação.

Se tal acontecesse, sentiríamos um aquecimento imediato das partes expostas do corpo. No entanto, o interior de um forno micro-ondas é uma "gaiola de Faraday", isto é, um invólucro metálico condutor, com a propriedade de bloquear campos eléctricos estáticos. As micro-ondas e outras radiações electromagnéticas não são estáticas, mas são também impedidas de sair pela espessura da "gaiola". A porta está defendida pela fina malha metálica que a reveste: esta parece transparente porque os orifícios da malha são muito pequenos, da ordem dos milímetros. A maioria dos aparelhos emite micro-ondas na frequência de 2.45 GHz e, como tal, com um comprimento de onda de 12 centímetros, e as leis da Física dizem-nos que uma onda electromagnética não consegue ultrapassar orifícios com dimensões muito inferiores ao seu comprimento de onda. Assim, só se a malha da porta for rasgada (criando um orifício maior) é que alguma radiação pode sair.

Outras curiosidades são ignoradas por muitos utilizadores:

• Na maioria dos fornos micro-ondas de gama média, os diversos níveis de potência não o são!
Por economia, o magnetrão (responsável pela emissão das micro-ondas) é construído com apenas um nívelde potência permitido. As opções à disposição do esfomeado utilizador, mesmo se designadas comovariações de potência, são apenas diferentes modos de ligar e desligar periodicamente o forno, garantindo assim uma menor potência média. É esta a origem dos característicos cliques cíclicos emitidos pelos aparelhos.

Magnetrão de um forno micro-ondas (Crédito:Northrop Grumman Corporation)

• Não é possível tostar comida num forno micro-ondas simples, já que esta e outras "operações culinárias" necessitam de contacto com ar quente.

Como o ar não é polar (é constituído maioritariamente por moléculas de dois átomos iguais, azoto N2 (78%) e oxigénio O2 (20%)), não aquece quando submetido a um campo eléctrico. Alguns fornos micro-ondas modernos incluem convecção fforçada de ar quente, para melhorar o sabor da comida. Outros recorrem a poderosas lâmpadas auxiliares de halogéneo, que inundam os alimentos com raios infra-vermelhos: a deposição de energia é tão rápida e intensa que permite também a caramelização.

• Não se devem colocar objectos metálicos dentro de um forno micro-ondas.

Como o metal é condutor, a sua exposição a uma radiação electromagnética fá-lo comportar-se como uma antena, podendo surgir correntes em zonas mais pontiagudas - o que torna os garfos e facas especialmente perigosos. Se o potencial eléctrico nestas zonas ultrapassar a chamada rigidez dieléctrica -o valor acima do qual o ar deixa de ser isolante, e passa a conduzir corrente eléctrica - surgem espontaneamente pequenos arcos eléctricos, imitando uma trovoada.

• O modo de descongelamento não muda a frequência das micro-ondas.

Esta incorrecção reflecte a diferença fundamental entre água líquida e sólida: a estrutura cristalina do gelo mantém as moléculas de água presas, impedindo o seu realinhamento quando é aplicado um campo eléctrico. No entanto, o cristal pode vibrar colectivamente, se for sujeito a um estímulo com uma outra frequência apropriada. O modo de descongelamento não recorre a esta técnica, mas a um estratagema muito mais simples:

- Alguma água já está derretida na superfície do cubo de gelo
- O magnetrão é ligado em curtos intervalos de tempo, emitindo micro-ondas que aquecem esta água líquida
- O magnetrão é desligado de modo a que esta pequena película de água líquida não aqueça demasiado, correndo o risco de evaporar;
- Enquanto o magnetrão está desligado, a película de água líquida aquecida "escava" no cristal de gelo, fundindo-o e arrefecendo no processo;
- O magnetrão liga-se novamente, aquecendo a maior quantidade de água líquida agora
presente, e desligando-se de seguida. Repete-se assim o processo até todo o gelo derreter.

Existem, no entanto, alguns riscos reais na utilização de um micro-ondas. Estes não são inerentes ao aparelho, mas reflectem a sua maior qualidade: a rapidez de aquecimento. Entre outros, temos os seguintes problemas:

• As micro-ondas não penetram muito profundamente nos alimentos, que não são cozinhados de fora para dentro. Assim, comida quente por fora pode não estar cozinhada por dentro, permitindo a sobrevivência e ingestão de bactérias.

• Se um líquido for deixado demasiado tempo num forno micro-ondas, provavelmente evaporará. Mas, nas circunstâncias certas, pode sobre-aquecer: neste fenómeno, o líquido aquece até uma temperatura ligeiramente acima da sua temperatura de evaporação, mas não evapora de imediato. No entanto, qualquer perturbação irá desencadear essa evaporação latente, o que pode ocorrer de um modo brusco e explosivo: o movimento de uma mão a pegar no recipiente pode ser suficiente para que a água sobre-aquecida ferva repentinamente. Para acautelar esta situação, é suficiente que se deixe arrefecer ligeiramente os líquidos
depois de desligar o forno micro-ondas, aguentando a fome durante mais uns segundos.

• Mais que a possibilidade de doenças ou queimaduras, um micro-ondas pode não cozinhar de um modo tão saboroso. Tal não se deve à alteração das propriedades dos alimentos, mas a uma simples constatação: os pratos habituais foram criados a pensar em métodos tradicionais de preparação, não em aquecimentos dieléctricos, ondas electromagnéticas e afins. Alguns processos que dão sabor à comida - como a caramelização ou possibilidade de tostar - não ocorrem num micro-ondas... Todos os efeitos descritos podem ser salvaguardados com os cuidados devidos na utilização de qualquer electrodoméstico.

Existem também benefícios directos da utilização de um forno micro-ondas, ao impedir a carbonização da comida e a formação de outras substâncias cancerígenas, entre outros.

Este milagre moderno, verdadeira conquista civilizacional, poderá suplantar em breve o cão como melhor amigo do Homem e substituir o venerável papel da cozinha: de oficina de criação de alimentos, esta passará para mero local de armazenagem de pizzas, lasanhas e outros pratos pré-cozinhados, prontos a despachar em minutos e avisar-nos com um sonoro "plim". Resta-nos esperar por esse dia. No sofá, de preferência.

Links:

www.gallawa.com/microtech/history.html
www.colorado.edu/physics/2000/microwaves/index.html
www.smecc.org/microwave_oven.htm
http://www.gallawa.com/microtech/how_work.html

11 comentários:

LA disse...

Muito bom post, já ontem gostei do Luis Alcácer.
Li na Newscientist, se não estou em erro, que se pode fazer uma experiência engraçada com o micro-ondas e com chocolate. Falaste no chocolate mas não disseste nada sobre essa tal experiência achocolatada que é a seguinte (parece-me boa para os putos):
Põe-se uma barra de chocolate no micro-ondas que a seguir vai derreter nos nodos de metade co comprimento de onda e a partir daí, com a frequência que é dada, consegue-se medir a velocidade da luz.
(http://www.null-hypothesis.co.uk/science//item/measure_speed_light_microwave_chocolate)
Espero que escrevas mais posts aqui, tens pinta.

Filipe Moura disse...

Texto formidável. Parabéns.

João Moedas Duarte disse...

Muito bom! Gostei muito de ler..

Anónimo disse...

Uma produção textual muito elucidativa. Sempre quis saber porque é que os alimentos não me sabiam tão bem cozinhados no micro-ondas.

Anónimo disse...

Sei uma receita de bolo de chocolate no micro ondas. É muito fácil e só demora 5mm a cozer.125g de choc. preto,100g de acúcar, 5og de farinha, 100g de manteiga,3 ovos,1colher de chá de fermento e 2 c.sopa de iogurte natural (ou natas). O bolo tem que cozer mesmo em 5mm, se ficar mais tempo no micro-ondas, estragasse.

Anónimo disse...

Cool!!
Apesar da complexidade inerente ao processo, explicação simples e divertida...
Quem és tu Jorge?

Obrigado!

Sérgio O. Marques disse...

Isto é tudo muito lindo, mas eu acho que não chega aos calcanhares da grande invenção tecnológica que foi as brasas numa churrasqueira. Não precisa de ondas nem de micros nem produz faíscas em peças de metal pontiagudas.

paulu disse...

Gostei muito destes dois artigos, seja pelo conteúdo, seja pela vivacidade da escrita. Parabéns e obrigado.

Mas discordo com a ideia que os alimentos cozinhados no micro-ondas fiquem invariavelmente menos apetecíveis! Experimente-se cozer legumes frescos como cenouras, beterrabas, batatinhas novas com casca, courgetes, até a insípida abóbora e os amargos nabos.

(Atenção! Convém cortá-los em pedaços não muito grandes!)

Verão como ficam muito mais saborosos que quando cozidos em água.

E então rodelas de beringela com queijo em cima...

carolus augustus lusitanus disse...

«Este milagre moderno, verdadeira conquista civilizacional, poderá suplantar em breve o cão como melhor amigo do Homem e substituir o venerável papel da cozinha: de oficina de criação de alimentos, esta passará para mero local de armazenagem de pizzas, lasanhas e outros pratos pré-cozinhados, prontos a despachar em minutos e avisar-nos com um sonoro "plim". Resta-nos esperar por esse dia. No sofá, de preferência.»

Isto é ridículo, no mínimo... Nem vou comentar... leiam, releiam e voltem ler... e encontrarão...

É com «bazukadas» destas que agora se vai propor (cientificamente) nos centros de saúde as tais (dietas) ditas saudáveis (e baratas) para famílias com escassos recursos económicos?

É que mais do que brincar aos cientistas, isto é muito sério... estamos tão-só a falar da função que vai «moldar» (digamos assim, sem grandes descrições) o futuro do caráter de um povo...

Não me venham com superficialidades que podem ter consequências irreversíveis -- não apenas a nível individual mas e, sobretudo, ao nível societal -- Por favor!!!

Anónimo disse...

Quais as circunstancias ideais em que a agua pode explodir como se fosse nitroglicerina, de fato isso ja ocorreu mas ninguem numca soube explicar em detalhes, eu creio que seje uma polarização acidental onde as moleculas estao a girar (energia cinetica) mas so vao entrar em movimento de colizao se sairem do alinhamento, de fato bolhas saem do meio do copo como se partes da agua evaporassem antes do resto,, isso quando nao explode !!

Anónimo disse...

Meu nome é Maria Aparecida Laurentino

Eu gostaria de saber se é verdade que pode colocar livros no microondas, para matar micróbios dos livros?
Obrigada

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