sexta-feira, 14 de setembro de 2007

EINSTEIN EM LISBOA


Excerto do meu livro "Nova Física Divertida", Gradiva, 2007. O "cartoon" é de José Bandeira inspirado numa varina de Bordalo Pinheiro:

As primeiras ideias da relatividade, publicadas por Einstein em 1905, só chegaram a Portugal passados sete anos, em 1912. Não foi um cientista mas sim um filósofo - Leonardo Coimbra - quem as introduziu. O primeiro cientista português a referir-se a Einstein foi um professor da Universidade de Coimbra, Francisco Costa Lobo, em 1917. Este professor viria, porém, a revelar-se um grande adversário das ideias de Einstein, de tal modo que dois colegas seus, Mário Silva e Egas Pinto Basto, se viram obrigados a publicar um forte artigo de resposta. Houve, como se vê, alguma resistência entre nós às ideias relativistas (o mesmo se passou, de resto, um pouco por todo o mundo e com força maior na Alemanha). Um dos maiores oponentes de Einstein em Portugal foi um herói da aviação: o Almirante Gago Coutinho, que, com Sacadura Cabral, realizou o primeiro voo entre Portugal e Brasil. Em defesa de Einstein, Ruy Luís Gomes, professor de Matemática da Universidade do Porto, polemizou com Gago Coutinho em várias publicações culturais e científicas.

Por ironia do destino a teoria da relatividade acabou por ser confirmada em território português e brasileiro. Com efeito, a teoria da relatividade geral, de 1916, foi corroborada pelas observações de um eclipse do Sol realizadas, em 1919, por uma equipa da Royal Astronomical Society, chefiada por Sir Arthur Eddington, na ilha equatorial, que então era portuguesa, do Príncipe e em Sobral, no norte do Brasil. Não participaram astrónomos portugueses na expedição mas um grupo de astrónomos brasileiros juntou-se em Sobral aos ingleses. O jornal português “O Século” noticiou os resultados quando eles foram anunciados em Londres: “A luz pesa” foi o título...

Como é que em Príncipe e no Sobral se descobriu que a luz pesava? Fotografaram-se estrelas, situadas no alinhamento de um eclipse do Sol, comparando-se as posições aparentes delas com as posições delas numa situação sem eclipse. As estrelas pareciam deslocadas, o que mostrava que os seus raios de luz tinham sido encurvados pelo Sol. O Sol mudava a trajectória desses raios, precisamente conforme Einstein tinha previsto...

Mas há uma outra relação, menos conhecida, de Einstein com Portugal. Com efeito, embora por pouco tempo, Einstein esteve entre nós, em 1925. Ia o físico a caminho da América Latina, correspondendo ao convite de académicos argentinos, quando o paquete em que seguia, desde Hamburgo, fez escala em Lisboa. Einstein desembarcou em Lisboa a 11 de Março de 1915 para fazer uma visita de um dia à capital portuguesa. Do seu diário de viagem conclui-se que esteve não só no Castelo de São Jorge como no Mosteiro dos Jerónimos. Escreveu sobre Lisboa:

“Dá uma impressão maltrapilha mas simpática. A vida parece correr confortável, bonacheirona, sem pressa ou mesmo objectivo ou consciência. Por toda a parte nos consciencializamos da cultura antiga.”

Mas o mais curioso é a referência que faz às mulheres portuguesas, personificadas nas varinas de Lisboa:

“Vendedora de peixe fotografada com um cesto de peixe na cabeça, gesto orgulhoso, maroto”.

Falando mais tarde no Rio de Janeiro sobre a sua curta estada em Portugal, num jantar no Copacabana Palace Hotel, disse o autor da relatividade:

“São mulheres de uma elegância que me fez parar muitas vezes para admirá-las. No grupo em que estava, fotografámo-las e pusemos na nossa mesa de refeição, a bordo, os retratos”.

O jornalista e escritor Assis Chateubriand, director de “O Jornal” do Rio de Janeiro, fez uma grande reportagem sobre a visita de Einstein ao Brasil. E o artigo de Chateaubriand inspirou um escrito de um outro intelectual brasileiro, Gilberto Freyre, no “Diário de Pernambuco” do Recife:

“É pena que Einstein não tivesse ido a Coimbra. Porque em Coimbra teria visto as tricanas.”

No Rio, Einstein ficou hospedado no grande e histórico Hotel Glória, onde hoje uma placa na Suite 400 recorda a visita do sábio. Einstein preparou aí uma comunicação à Academia de Ciências do Brasil sobre o fotão (ou “grão de luz”, um conceito introduzido num dos seus artigos de 1905 e que lhe valeu o prémio Nobel da Física de 1921; Einstein, grande viajante, foi notificado desse prémio em plano mar da China quando ia a caminho do Japão). O físico nunca falou na Academia de Ciências de Lisboa, mas esta guarda uma carta dele na qual agradece a atribuição do título de sócio honorário. Einstein correspondeu-se também com um físico-matemático português, António Gião, guardando a Universidade Hebraica de Jerusalém algumas dessas interessantes cartas.

3 comentários:

Maria Manuel disse...

As expressões "impressão maltrapilha mas simpática" e "sem pressa ou mesmo objectivo ou consciência" são deliciosas!, extensíveis a todo o país.
Curiosamente, Einstein é o único a contrariar a própria teoria assinalando esta excepção: passaram cerca de 100 anos e nada mudou, a teoria da relatividade não é aplicável em Portugal.

Anónimo disse...

Utilizar este blog para promover os seus próprios livros é um excelente exemplo de falta de ética. Mais a mais quando se limita a respingar algumas gotículas de uma história conhecida.

Anónimo disse...

o comentário do CP é um excelente exemplar da tipica maledicência nacional

DUZENTOS ANOS DE AMOR

Um dia de manhã, cheguei à porta da casa da Senhora de Rênal. Temeroso e de alma semimorta, deparei com seu rosto angelical. O seu modo...